Na nova série de artigos que vamos iniciar hoje, exploraremos as estratégias financeiras e de marketing usadas para tentar garantir o maior lucro possível para as empresas. Ao entendermos quais são essas estratégias, apresentaremos contra estratégias para tomarmos decisões com parcimônia e de forma mais consciente.
Uma área de estudos que tem passado por grandes evoluções teóricas e de técnicas de mercado é a da Economia Comportamental. Esta estuda o comportamento dos consumidores em diversos mercados, sempre associando as tradicionais técnicas de administração, marketing e economia com a psicologia.
A Teoria Econômica Clássica aborda um padrão de decisões do consumidor feito de forma racional e lógica, enquanto que a Economia Comportamental discute as ações “pouco racionais” e busca entender o seu porquê. Entender essas ações (ou mesmo o comportamento instintivo) é importante porque elas, muitas vezes, podem nos levar a tomar decisões financeiras que comprometerão o nosso bem-estar financeiro.
Para se ter uma ideia da importância do tema, três recentes prêmios Nobel de Economia foram direcionados a estudos nesta área. Os laureados, se destacam por mostrar que, embora seja pressuposto uma racionalidade dos agentes econômicos, muitas das decisões de consumo tomadas não possuem qualquer tipo de racionalidade. Foram laureados Herbert Simon (1978), pelo seu trabalho sobre racionalidade limitada, Daniel Kahneman (2002), demonstrando as situações onde prevalecem a racionalidade e a as situações onde as decisões são mais intuitivas (e por consequência com menor racionalidade). E, em 2017, Richard Thaler recebeu o Prêmio pelas suas contribuições no campo da economia comportamental, ao reafirmar que para fazer uma boa análise em economia deve-se ter em mente que nós, seres humanos, estamos sujeitos a imperfeições e a “não racionalidade” na tomada de decisões.
Apesar da amplitude e da complexidade da área, hoje vamos falar sobre os hábitos de consumo. As empresas sabem que, para ter garantia de venda no longo prazo, elas precisam que os consumidos incluam os seus produtos no dia-a-dia da família, ou seja, que as famílias se habituem a comprá-los. Para isso, há muito tempo várias estratégias são adotadas e novas estratégias ganham cada vez mais força.
No livro O Poder do Hábito, o autor Charles Duhigg elenca alguns dos mais antigos exemplos, o do creme dental. A venda de pasta para escovar os dentes cresceu de forma significativa após uma estratégia de sucesso que convenceu a população a adotar o hábito de escovar os dentes. Neste caso, o gatilho que criou o hábito foi a adição de sabores a base de menta na pasta. A sensação de ter o hálito refrescante, evitando o mal odor bucal, sempre após as refeições foi o suficiente para transformar a escovação dos dentes com pasta mentolada um hábito.
Nos dias atuais, as empresas têm adotado variadas estratégias para criar hábitos de consumo. Algumas, bastante perceptíveis, como trocar de TV todo ano de Copa do Mundo de Futebol. Ou, por exemplo, a trocar anual de smartphone e equipamentos eletrônicos, cujo os lançamentos são associados a grandes eventos (verdadeiros shows) que geram imensas filas nas portas das lojas, com imagens que reforçam uma ideia de hábito.
Existem outras estratégias ainda menos notada pelos consumidores. Por exemplo, o hábito da troca de automóveis a cada dois anos. Diversas são as montadoras que, associadas aos seus bancos financiadores, criam planos para estimular este hábito. Nesse caso, duas estratégias têm sido adotadas recentemente. A primeira é a recompra garantida, ou seja, ao adquirir um carro 0 km, o comprador, ao decidir trocar por outro veículo da mesma marca em um determinado período, a fabricante se compromete em pagar pelo usado o valor da tabela sem descontos. Mas para isso, é necessário respeitar algumas condições de conservação e principalmente a troca ocorra em um período de tempo reduzido, geralmente em no máximo 3 anos.
A segunda e mais agressiva estratégia é a compra com parcela final de alto valor. Montadoras ofertam o veículo exigindo uma entrada de menor, geralmente entre 10% a 30% do valor do veículo. São propostas 24 ou 36 parcelas contemplando 20% a 50% do valor do veículo. Desta forma ao passar de 2 ou 3 anos o comprador terá pago entre 30% e 80% do veículo restando um saldo significativo para quitar, geralmente da ordem de 40% a 50% do valor do veículo. Como a última parcela costuma compreender um alto valor, neste momento a estratégia da montadora é que o comprador dê o carro usado como entrada de um novo, ao invés de ter que desembolsar um alto valor para quitá-lo. As montadoras entendem que desembolsar um alto valor no final gera um esforço psicológico desagradável e uma capacidade de poupança programada que poucos têm. Este desgosto psicológico está associado ao pagamento de um alto valor para ficar com um carro usado. Por outro lado, é dada a opção ao cliente de trocar o carro com dois ou três anos de uso por um novo sem entrada, o que gera um bem-estar psicológico e também o hábito de troca de veículo a cada dois ou três anos. Seria mesmo necessário trocar de carro a cada 2 ou 3 anos? A idade média da frota em países mais desenvolvidos como Japão, Alemanha e Estados Unidos é de 9 a 13 anos.
Ao decidir trocar de carro tudo que foi pago no primeiro será utilizado para quitar de 10% a 30% do novo veículo. Este tipo de estratégia é chamada de financiamento balão (última parcela grande como um balão). Convidativo para entrar uma vez que exige baixa entrada e baixas parcelas, mas com uma grande dificuldade psicológica para conseguir sair da ciranda da troca de carros a cada 2 ou 3 anos.
Saber que as empresas usam estas estratégias para criar hábitos de consumo, às vezes desnecessários, é importante. Assim, antes de tudo se pergunte:
Você realmente precisa trocar de carro a cada 2 anos?
De celular novo todo ano? O celular novo faz tantas coisas assim que o antigo não faz? Se o celular novo fosse tão inovador precisaria de um super show para lhe convencer que ele melhorou?
Preciso trocar de televisor a cada Copa do Mundo? Será que a “zica” da última Copa tem alguma relação com a sua TV antiga?
Esses hábitos “não racionais” que acabamos colocando nas vidas das nossas famílias podem estar consumindo parcela expressiva da nossa renda e, eventualmente, até lhe privando de outras possibilidades de consumo.
No nosso painel de hoje convidamos você a verificar seus hábitos de consumo. Eles são necessários? Eles são bons hábitos? Lembre-se, nem todos são ruins. Escovar os dentes pode ser um bom hábito de consumo!
Para os próximos painéis teremos como temas as segmentações de mercado e os nudges. Dois temas muito interessantes e que expõem os consumidores a estratégias que em determinadas situações podem ser danosas às finanças pessoais.
Até o nosso próximo artigo!
Prof. Dr. Moisés Diniz Vassallo
Prof. Dr. André Luiz Medeiros
DENARIUS – Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento em Educação Financeira
Instituto de Engenharia de Produção e Gestão (IEPG)
Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI).