Esta semana recebi no consultório uma família que queria acompanhar o processo de morte da mãe de forma a torna-lo mais digno. Nada de UTI, nada de processos invasivos inúteis nessa fase, e a presença dos filhos continuamente à sua volta até a despedida final.
Oito filhos, homens e mulheres. Por coincidência eu conhecia quase todos, sem suspeitar de que fossem irmãos.
A harmonia entre eles era visível e muito tocante.
Falaram da morte do pai e de como transcorrera, há anos atrás.
Esses filhos já tinham experiência de morte digna, desde quando ainda não se falava em Cuidados Paliativos em Itajubá.
Acompanharam a piora do pai sem nunca discordarem do que todos queriam: cuidados de conforto, e nenhum prolongamento inútil de vida.
A paz que disso resultou era tocante. Todos falavam do pai com amor, com gratidão, e podiam até mesmo rir das histórias engraçadas.
Ao falarem da mãe se repetiam o amor e o cuidado que tinham com o seu conforto. Estavam tristes, é claro, mas a serenidade era a tônica.
Todos falavam, mas o respeito de uns pelos outros era quase palpável. Alguns tinham mais dúvidas sobre suspender medidas extraordinárias que os médicos sugeriam, outros se mostravam muito seguros de que isso só traria mais sofrimento à mãe, mas todos se dispunham a ouvir e a dar espaço às dúvidas dos demais.
Durante todo o tempo em que eles estiveram comigo, pouco ou nada precisaram da minha palavra. A certeza de que deixar a morte chegar naturalmente era o mais humano e amoroso a se fazer pela mãe era a convicção de todos.
Apenas me restou admirá-los e agradecer pela oportunidade de tê-los visto juntos.
Alguns dias depois uma das filhas me comunicou a morte da mãe.
Minhas orações naquele dia pela mãe e pelos filhos foram de gratidão…
Psiquiatra e Psicoterapeuta Junguiana, Professora de Tanatologia e Cuidados Paliativos na FMIt, co-autora e co-tradutora de livros na área de Tanatologia e Cuidados Paliativos. Veja sua coluna “Do Divino que há em nós”.