No meio da rua tinha uma árvore
Tinha uma árvore no meio da rua
Tinha uma árvore
No meio da rua tinha uma árvore.
Na cidade dos meus sonhos nasceu uma árvore no meio da rua. Era um Ipê amarelo, frondoso, majestoso, com galhos destemidos que se estendiam para todos os lados. É claro que ninguém viu como foi acontecer aquilo, pois enquanto a população dormia, a árvore nascia e crescia, bela e forte. No outro dia, o caos absoluto, não de pessoas, mas de carros furiosos porque as pessoas até que não são tão furiosas quando estão caminhando, apenas quando estão dentro dos endemoninhados veículos. Aí elas se transformam, viram não sei o quê, praguejam, fazem gestos obscenos, e até arma carregam e matam, dizem que é a pressa, estresse, não sei, só sei que os homens precisam se humanizar.
Bom, mas voltando à árvore, era um Ipê amarelo com 17 m de altura, com tronco de 50 cm de diâmetro. Dentre todos os carros que esperavam impacientemente no trânsito infernal, apresentou-se uma camionete último tipo, uma enorme Pajero que se adiantou majestosa para resolver a questão do trânsito impedido.
– A senhora está impedindo o trânsito, estamos com pressa.
– O mal de vocês é a pressa. Olhe moço, para crescer, nós, árvores, esperamos anos, décadas e até centenas de anos. Só que para acompanhar o ritmo moderno, copiei o modelo imediatista de vocês, e nasci e cresci assim, rapidinho, como manda o atual figurino. O meu caso, meu filho, é desesperador. Fugi, fugi sim, não tenho vergonha de falar. É uma questão de sobrevivência. Antigamente, eu não tinha medo das cidades. Todo mundo fala da violência, tudo bem, mas violência com as árvores? Não. Não? Pois olhe, saiba você que uma prima minha, da família Tabebuia roseoalba, lá numa rua em Perdizes, em São Paulo, foi assassinada por uma moradora do prédio em frente. A senhora, gente fina, regava o tronco do Ipê com água misturada com veneno, tudo de madrugada pra ninguém ver. Quando foi descoberta, imagine o que ela disse! “Essa maldita árvore sujava minha calçada com essas flores malditas!” Pois é. Contudo, a morte de minha prima não foi em vão. Serviu para inspirar o escritor Ignácio de Loyola Brandão a escrever o livro: “Não verás país nenhum!” Já leu? Ótimo! O Loyola Brandão conheceu minha prima.
Mesmo perigoso, escolhi vir pra cidade porque lá na mata a coisa é pior, ah, se é! Lá, moço, temos sofrido verdadeiros massacres, não sobra ninguém. Já sobrevivi a três, milagrosamente. As máquinas vêm com tudo, moto-serra, machado, fogo, como são cruéis! Da última vez, recolhi minhas poucas flores que sobraram e saí sem rumo até que encontrei um grupo de árvores sem-terra. Andávamos a esmo, procurando um assentamento para nós, e não era só a gente não, vinham animais também, desnorteados, trôpegos, eram jacarés que apelaram para as piscinas, cobras que entraram em armários. Por fim, nós, árvores, decidimos que cada uma devia catar o seu destino, pois é só assentar que lá vêm os robôs pra matar a gente.
Bem, foi aí que cheguei aqui. Achei um lugar lindo! um verdadeiro vale entre montanhas, só que calor, hem? Que cidade sem árvores! Alguém devia fazer uma campanha na cidade para que plantem árvores em suas ruas. Examinei outras cidades, mas esta, nossa! Precisa muito de mim, de minhas flores e de minha sombra. Pode desviar o trânsito para outro lado, porque aqui ficarei eu.
Haverá um tempo em que aprenderemos a escutar nossas árvores e nossos bichos, como faziam os índios, e a Terra será um lugar melhor para se viver.