Um dia desses eu subi para meu terraço e dei com uma borboleta se debatendo na janela, do lado de dentro. Ela tentava se libertar para ganhar os ares. Eu me aproximei cuidadosamente e fiquei admirando aquela criaturinha frágil. Era pequena, coloridinha como são as borboletas, mas não era nenhum espécime magnifico da classe. Com muito jeito eu abri o vidro e tentei empurrá-la para fora. Nada. Uma asa estava enroscada em algo. Tive receio de puxar aquela asinha de nada, e dar tudo errado na operação resgate. Olhei e estudei todos os ângulos para ver de que maneira poderia ajudá-la a se libertar.
Foi aí que me dei conta de que era a primeira vez que eu tentava salvar uma borboleta. Este era de fato um feito sem precedentes em minha vida. Numa altura dessas, já com meus sessenta e tantos e tantos, eis que estou diante de algo extraordinário. Quem disse que a vida da gente é comum, que os dias são rotineiros? Não, não, não são. Os dias são generosos e recheados de momentos incríveis, realizamos mínimas coisas sem nos darmos conta de que não são mínimas, pois que uma xícara lavada com carinho, ou uma frigideira pregada de gordura, uma vez que oferecemos esses atos a Deus, são atos de amor. A começar pela água que escorre pelas nossas mãos quando lavamos a louça e panelas difíceis. Um erguer de olhos para o Céu já é uma oração de grande valor.
Voltemos à borboleta. Falei com ela como se ela escutasse, e quem disse que borboletas e flores não escutam? Fiz como minha prima que conversa com as galinhas que furtivamente entram pela sua sala: “Boa tarde, queridas, tudo bem? Estejam à vontade”. É assim que ela, ao invés de enxotar as galinhas como normalmente sempre se faz, ela as acolhe. Assim falei com a borboleta: calma menina, vai dar tudo certo. Com muito jeitinho consegui despregar a asa de alguma sujeirinha presa no vidro. Ela não esperou um segundo. Levantou voo e partiu, livre, inteira, com suas asas intactas. E eu me senti feliz, como uma médica do Chicago Med que logrou ser bem sucedida numa cirurgia complicada.
E por coincidência ou não, estou lendo o livro “A sala das borboletas”. Rodei, rodei o livro nas mãos tentando imaginar por quais caminhos aquele livro iria me levar. Sei que basta abrir e começar para que eu mergulhe profundo, se o livro me agrada, é claro. Percebi logo que a autora é de uma sensibilidade ímpar. E foi aí que já li uma frase que veio corroborar minha felicidade ao salvar a borboletinha: “O bater de asas de uma borboleta pode fazer toda a diferença no mundo.”
Nada é insignificante na vida, cada coisa pode ser um ato de amor, até a asa de uma borboleta. Minha mãe costumava dizer que quando ela fosse se apresentar diante de Deus, e se Ele lhe perguntasse o que tinha para oferecer de sua vida, ela, se não tivesse mais nada, apresentaria as sacolas pesadas que trazia do mercado para nos alimentar. (Como falo de minha mãe! Minha personagem preferida)
E eu, bem, entre tantos desacertos e imperfeições e pecados, posso apresentar a asa da borboleta que salvei e que fez toda a diferença no mundo.
Misa Ferreira é autora dos livros: Demência: o resgate da ternura, Santas Mentiras, Dois anjos e uma menina, Estranho espelho e outros contos, Asas por um dia e Na casa de minha avó. Graduada em Letras e pós graduada em Literatura. Premiada várias vezes em seus contos e crônicas. Embaixadora da Esperança (Ambassadors of Hope) com sede em Calcutá na India. A única escritora/embaixadora do Brasil a integrar o Projeto Wallowbooks. Desde 2009 Misa é articulista do Conexão Itajubá, enviando crônicas e poemas. Também contribui para o jornal “O Centenário” de Pedralva.