Neste momento, sinto algo em meu braço, uma ligeira cócega. Imediatamente, um turbilhão logo é acionado dentro de mim, algo parecido como aquela sinere que é disparada quando um tsunami se aproxima da costa do Japão. Desconfio do pior, e sem ter escapatória, olho de soslaio e vejo uma barata grande, daquelas mais feias que podem existir. Em sua inocência ela sobe em meu braço, coitada, talvez e muito provavelmente sem ter a menor ideia de onde está! Pobre barata, para ela meu braço é um lugar qualquer, onde suas pernas podem andar, subir e descer. Tudo se passa em segundos, talvez em um segundo, ou um átimo de segundo. Só sei que o grito de terror, o sacudir o braço e o jogar a sacola para longe acontecem ao mesmo tempo. Mas mesmo aterrorizada, preciso saber que destino a infeliz tomou, detalhe importantíssimo para mim, pois se eu perdê-la, ela vai reaparecer em algum outro lugar, talvez no quarto, enquanto durmo, coisa que não posso nem imaginar. A barata, torno a dizer, coitada, mais aterrorizada do que eu (será?) foge a todo vapor.
Grito o marido, Mottaaaaaaaaaaa, b a r a t a ! Ele desce no mesmo instante porque conhece a gravidade da situação. Eu tento contar a história toda, desde o início, mania do meu pai, que todos nós lá em casa herdamos, contar tudo, tim-tim-por tim-tim. Ele, que já é de falar menos e o essencial, me interrompe, “para onde ela foi?” Eu mostro, debaixo do fogão, talvez. Digo que vou buscar aquele espirrador, matador de baratas, tenho um em cada cômodo, mas ele já arrastou o fogão, e eu fujo, como uma donzela desprotegida da Idade Média, enquanto meu intrépido herói se prepara para destroçar o dragão. Eu fico atrás da porta do escritório, ouvidos atentos, coração disparado, adrenalina em ebulição, ouço barulhos, mais arrastar de alguma coisa, quando finalmente ouço: pronto, matei! Aí pergunto:
– Bem morta? Insisto, bem morta? Porque já aconteceu da barata não ficar bem morta de outras vezes.
– B e m m o r t aaaa !!!
– Jogou no lixo?
– Sim.
E ele começa a cantar aquelas músicas cubanas que adora. Aí concluo que me casei com o homem certo, mais encantado com a vida do que a Elika Takimoto. Ele é o salvador do meu corpo, como diz Adélia Prado, para mim em todos os sentidos, todos mesmo. Apareço trêmula, pisando em ovos, olhos esbugalhados, em frangalhos já tão cedo. Ele me abraça, me acalma, me garante que está tudo bem, repete a mesma ladainha de sempre: olha o seu tamanho e olha o tamanho da barata, argumento totalmente inútil e inválido. De qualquer forma, tenho certeza de que Deus me mandou o melhor homem do mundo para ser meu marido, e em minhas orações nunca me esqueço de agradecer.
Eu me pergunto: de onde vem tudo isso, quero dizer, este pavor de baratas? Tenho milhares de histórias de baratas, minhas próprias experiências e de minhas irmãs e de minhas amigas, histórias hilárias, depois que tudo passa, é claro. Reflito: e se essa barata fosse como a do conto de Kafka, se fosse um moço bom, trabalhador que cuidasse da família e num belo dia, tivesse acordado simplesmente transformado nesse inseto asqueroso. Primeiro, o horror da família, depois o fato inevitável de aceitar que aquela coisa era o filho, o irmão, depois a tentativa seguida da impossibilidade de se conviver assim, e por fim o alívio pela morte da barata, ou do moço. E depois da tragédia toda, a vida se descortina maravilhosa, como o do caso do bode no meio da sala, ou seja, todos os outros problemas simplesmente deixaram de existir, estavam livres do infortúnio, e agora são mais felizes do que nunca. Segundo minha naturalista/mística prima, a barata é um ser como outro qualquer, é nossa irmã.
Nem morta!