Soprava cantigas curtas, que se mostravam nos tons de seu dourado tão belo. Estrelinhas saltitavam dos fios do pano lerdo, dançavam serenas cintilando com requinte, pairavam no papel, na mesa, no chão, nos cabelos da dama que ali estava a contemplar seus afazeres. Assim a pequenina sala se vestia do ouro celestial, que era a ela dado pelo sol supremo, que cansado desabava lento atrás das montanhas. Nada reluzia tanto quando a tampa daquela caneta, quase escondida entre as folhas. Nem os diamantes, nem o orvalho matinal superava seu plástico estelar, que fugaz cintilava no forro alto. Nada inspirava tanta ternura quanto àquela pequena aranha morta atrás do armário, seus olhos vazios faziam dançar relances prateados no mofo que a cercava. Nada era tão delicado quanto aquele fio de cabelo branco que planava rente ao armário. Descia doce, calmo, sereno, eternamente brando como a réstia de um luar sorridente. Refletindo a luz dourada, estrelas surgiam do nada. Era aquela chave pendurada da terceira portinha, era aquele grampo novo deslembrado não muito longe dali, era o brinco da dama, a tesoura, a presilha esquecida.
Uma estrela apagou-se como se apaga um sorriso sincero. Foi tão de repente, tão sem magia… a meiguice deixou aquela sala, que friamente foi se apagando. A aranha, a chave, o grampo, a tesoura, a presilha perderam seus encantos, tornando-se meros.
O fio de cabelo pousou no chão e a sala se despiu de sua cor, quando através da cortina o sol desfez seu sorriso e dormiu entre a relva distante.