“De hora em hora Deus melhora”, minha mãe costumava dizer. E por aqui, quando queremos animar uns aos outros também dizemos esta frase. Hoje, nos intervalos de descanso eu fiz algumas reflexões sobre a hora. Sou invocada com a questão de que vivemos uma vida de poucas décadas. No máximo dez, não é? Então, falando assim, confesso que sinto certo desconforto por constatar que obviamente já vivi bem mais décadas do que viverei, aliás, faltam bem poucas. Evidentemente que nada disso me passava pela cabeça quando era mais nova, porém basta viver muitos anos para refletir sobre a brevidade da vida.
Fiquei pensando que se contássemos nossa vida apenas em horas, teríamos a doce ilusão de mais tempo, e no mínimo o desconforto iria passar. Um ano é composto por oito mil, setecentos e sessenta horas, se não me engano. Ganharíamos milhares de horas, rsss. E teríamos uma vida grande, o que é bem diferente de uma grande vida. O fato é que mesmo quem tem teve uma vida grande ou uma grande vida vai morrer, pensa na morte do mesmo jeito, com medo, com expectativa, com curiosidade, com esperança. Mas pensa. E está certo, há que pensar sim, se possível sem morbidez, apenas com coragem, mas eu não sou corajosa.
Tem hora pra tudo, para trabalhar, para se divertir, para descansar, para chorar, sonhar. Tem a hora da chegada e a hora de ir embora. Tem a hora do caçador e a hora da caça, tem a hora que não passa, a hora da largada, a hora da virada, a hora do espanto e a bendita hora do encanto. Tem a terceira hora do Ângelus, que linda hora em que a tarde fica escura e se torna noite sem que a gente perceba, assim como um filho que dá os primeiros passos e logo já anda desenvolto num piscar de olhos da mãe. Será que no Céu tem o Ângelus, será que lá a tarde se torna noite?
Bom, tem a última hora, quando minha mãe dizia: em minha última hora, se nada tiver para apresentar a Deus, apresentarei as sacolas pesadas que trago do mercado para alimentar a família. Tem a hora que a gente perde: ah perdi a hora. Tem a hora que a gente usa para ser prestativo: Misa, você faz isso pra mim? Na hora. Quando a mãe chama atenção do filho: isso são horas?
Tem hora pra tudo, pra todos os gostos, para todas as horas.
Misa Ferreira é autora dos livros: Demência: o resgate da ternura, Santas Mentiras, Dois anjos e uma menina, Estranho espelho e outros contos, Asas por um dia, Na casa de minha avó e Ópera da Galinhinha: Mariquinha quer cantar. Graduada em Letras e pós graduada em Literatura. Premiada várias vezes em seus contos e crônicas. Embaixadora da Esperança (Ambassadors of Hope) com sede em Calcutá na India. A única escritora/embaixadora do Brasil a integrar o Projeto Wallowbooks. Desde 2009 Misa é articulista do Conexão Itajubá, enviando crônicas e poemas. Também contribui para o jornal “O Centenário” de Pedralva.