Esta semana fui entrevistada por uma jornalista de Belo Horizonte. Ela queria saber sobre humanização no atendimento aos pacientes, sobre como deveria ser a medicina do futuro, sobre como serão os médicos de amanhã…
Curiosa, respeitosa, querendo verdadeiramente ouvir, como deveríamos ser todos nós, especialmente aqueles que têm a tarefa de informar.
Falamos sobre Cuidados Paliativos, é claro. Falamos sobre o cuidado com aquele que adoece e com a família que o acompanha no sofrimento, falamos sobre o quanto os profissionais da saúde podem oferecer a quem está fragilizado e amedrontado pela doença.
Falamos sobre a importância de educar os profissionais de saúde para uma prática que respeite as conquistas da medicina tecnológica, mas que não se deixe enganar pelo fascínio das luzinhas piscando e dos diagnósticos sofisticados; para uma prática que incorpore precisão e afeto em doses equilibradas, que cuide ao mesmo tempo que tente curar e que, acima de tudo, não deixe de cuidar quando a cura não acontece…
E então, ao fim da entrevista, ela me pergunta sobre algum paciente que tenha me marcado. Mas como separar apenas um, entre todos os que passaram pela minha longa vida profissional? Entretanto, acabo por escolher a história de uma esposa e do marido que morria, e que me entristeceu como nada mais até hoje o fez.
O marido, no penúltimo dia de vida, no que pareciam ser as alucinações comuns a essa fase, repentinamente surpreende a esposa e os filhos, todos muito amorosos, com uma confissão aterradora: diz a todos que traiu muitas vezes a esposa com muitas mulheres, teve filhos que nunca reconheceu, e muitas outras “barbaridades” para alguém que sempre fora um exemplo de marido e pai… Dito isso, deitou-se outra vez e fechou os olhos até morrer, o que aconteceu no dia seguinte.
A esposa, chocada, saiu do hospital e não foi encontrada até dois dias após o enterro do marido, para desespero dos filhos.
Até hoje me entristece muito essa história. O que aconteceu com a alma dessa esposa em momento de tamanha fragilidade, sem saber (provavelmente até hoje) se a confissão do marido era verdadeira ou se não passava de uma alucinação causada pelas mudanças finais no cérebro de um agonizante?
Até hoje eu rezo para que ela tenha encontrado a paz…