Ela mora em meu prédio. Na verdade, não sei nada sobre ela. Presumo que deva trabalhar para alguma família. É uma moça simples, com os cabelos maltratados, sem brilho. É pequena, magra. Não sei seu nome, não sei se é casada ou solteira, se tem filhos ou mesmo se tem um amor. Eu a vejo quase todas as tardes, quando desço para pegar meu carro. Desço apressada, com os braços carregados de livros. É hora de ir para a escola. Vou dando uma passada de olhos pela aula que preparei. E lá está ela. A moça. Sentada em um cantinho da garagem, tomando um pouco de sol e fumando um cigarro. Paro, fascinada por aquela cena. Já fumei, não fumo mais há muitos anos. Nem quero fumar. Nem sinto falta do cigarro. Mas, não sei o porquê, sinto uma atração irresistível por aquele cigarro. Deve ser pela intensidade com que ela traga a fumaça. Ou talvez porque seja no meio da tarde e o porteiro está fazendo café, ou ainda porque estabeleci regras para a minha vida, como não fumar. E ela fuma sem culpa. Às vezes coloca a mão para proteger os olhos do sol. De repente quero trocar de lugar com ela. Lembro-me das aulas, da academia de musculação, dos cartões de crédito e tudo que quero é estar ali, fumando aquele cigarro. Penso, ela não deve falar inglês, nem saber quais são as correntes históricas, nem tampouco que Isabel de Castela era uma mulher de muita astúcia. Não deve fazer imposto de renda, nem saber por quantas anda o euro. Ela apenas fuma seu cigarro ao sol, cumpre seu papel. Ali, naquele momento, eu queria estar em seu lugar. Ali, naquele momento, eu trocaria um cruzeiro pelas ilhas gregas para fumar seu cigarro e ali, naquele momento, eu também trocaria fazer amor com Richard Gere numa praia deserta para fumar seu cigarro…seu maldito cigarro…