Há algum tempo, passando por aqueles canais do Discovery, topei com uma reportagem que me chamou a atenção. Havia uma girafa deitada no chão, aparentemente dormindo e várias pessoas ao seu redor confabulavam algo que eu não entendi, pois peguei o bonde andando. Acabei supondo que ela estaria doente ou ferida e que todo aquele pessoal tentava ajudá-la, o que aumentou minha esperança na humanidade. Alguns homens conseguiram fazê-la se sentar, ajeitando uma perna sobre a outra.
O rapaz que narrava sobre o que estava ocorrendo estava mais à frente de todos. Ele chamava a atenção para a mulher que enxugava um sangue que escorria das narinas da girafa. Eu me emocionei mais ainda. Pensei comigo, ela está ferida ou talvez esteja morrendo de alguma doença, sei lá. Enfatizo que meu sentimento foi de esperança, de admiração por essas pessoas que ajudam os animais, como aquelas equipes que vão às praias para retirar óleo dos pássaros ou desenroscá-los de fios.
Qual o quê? Estarrecida percebi que não era nada daquilo. A mulher que enxugara o sangue da girafa estava com uma máquina fotográfica dessas profissionais e já se aprontava para uma foto e outra. Também havia outro fotógrafo com outra máquina poderosa. Vários homens que agora percebi serem empregados de alguém com muito dinheiro e poder ajeitavam o corpo da girafa para uma foto, de tal forma que parecesse que ela estava viva. Deprimente. A princípio pensei que o rapaz que fazia a reportagem estaria lá, “in loco”, pois ele se conservava à frente, mas na verdade ele não estava na cena, ele explicava o horror daquela cena.
O pior estava por vir. Chegou um homem vestido de caçador com um rifle e se posicionou de cócoras ao lado girafa abatida. Logo em seguida veio outro. Fizeram pose para as fotos, estavam alegres, comemoravam e sorriam despudoradamente. O repórter, indignado, disse que as fotos seriam para serem exibidas na sala de estar de um dos homens. Alguém já estaria contratado para pintar um quadro tomando por base a foto.
Eu pensava que as touradas e essas outras barbáries estivessem proibidas. Claro que sempre acontecem, a gente sabe, mas assim escancaradamente, com fotos e risos, foi terrível assistir.
O homem sempre arrogante se sente o dono do mundo e dos animais que ficam à mercê de seus caprichos decidindo que vida e fim terão. Uma girafa vive em média 15 anos. Fiquei imaginando quantos anos aquela girafa deveria ter. É lógico que ela poderia ter sido morta por um tigre ou outro animal mais veloz do que ela, mas nenhum animal mata o outro por prazer. Só o homem faz isso, matando animais, seus próprios semelhantes, até crianças.
Tudo isso me fez lembrar de meu sobrinho refletindo sobre a natureza humana, quando disse: a humanidade fracassou. É verdade. Não estranharia se Deus tirasse para sempre a alma dos homens e a colocasse nos animais. Aliás, penso que a grande maioria dos homens já nem alma tem, literalmente. Restaram aos homens apenas a crueldade e a maldição do intelecto.
*Misa Ferreira é autora dos livros: Demência: o resgate da ternura, Santas Mentiras, Dois anjos e uma menina, Estranho espelho e outros contos, Asas por um dia e Na casa de minha avó. Graduada em Letras e pós graduada em Literatura. Premiada várias vezes em seus contos e crônicas. Embaixadora da Esperança (Ambassadors of Hope) com sede em Calcutá na India. A única escritora/embaixadora do Brasil a integrar o Projeto Wallowbooks. Desde 2009 Misa é articulista do Conexão Itajubá, enviando crônicas e poemas. Também contribui para o jornal “O Centenário” de Pedralva.