Fui busca-la e a trouxe para a minha casa, talvez até mais por mim do que por ela; viajaremos amanhã cedo para Passa Quatro, para onde toda a família materna volta um dia…
Dia 7 passado fez exatamente um ano que o Marco teve o AVC que o matou no dia 20 de fevereiro do ano passado; a morte, então, até andava aqui por dentro de casa de novo, e apenas se sentou ao meu lado pra ficar um tempo mais.
Ela sempre nos visita trazendo dor, não há como evitar. Mas algumas delas são quase belas, se não estranhássemos tanto falar de beleza na morte.
Foi assim a da minha tia, para conforto de todos os que ficam e vão conviver com ela. Foi muito amada, teve o marido que sonhou, os filhos que desejou, foi cuidada por todos quando começou a adoecer, os netos a cercando sem folga de um dia sequer, e morreu suavemente, com expressão serena.
A morte não é propriedade apenas de quem morre; a morte fica de herança para os vivos, e muitas vezes deixa como legado uma dor que não cede jamais, e sentimentos muito perturbadores.
Mia Couto, famoso escritor moçambicano, no seu livroO Outro Pé da Sereia, coloca essas palavras na boca do personagem Mwadia: “a saudade é como uma tatuagem na alma, não há como se livrar dela sem perder um pedaço de si”.
E essa tatuagem pode ser muito bela, apesar de ser uma marca profunda que nunca mais desaparece. Quando não fazem parte da herança as culpas pelo que não foi dito, pelo que não pôde ser vivido, pela afeição que não foi dada, pela indiferença que substituiu lentamente o amor, essa tatuagem pode ser como uma borboleta: leve, colorida, esvoaçante e delicada.
Pode ser muito bela também a tatuagem quando se pode agradecer, apesar da dor, pela vida que pôde ser vivida ao lado de quem morreu, pelo tempo que foi dado viver às pessoas envolvidas.
Pode ser muito bela também a tatuagem quando se pode sorrir com carinho em meio à dor, quando se tem pra recordar um amor que deixou marcas…
Seja feliz, minha tia! A nossa tatuagem é uma linda borboleta.