Desde o dia 15 de janeiro, os estados do Sul do Brasil vêm sendo afetados por temperaturas elevadas, tanto em termos de temperatura mínima diária (o menor valor de temperatura, que geralmente ocorre por volta das 7h) quanto de temperatura máxima diária (o maior valor de temperatura, que geralmente ocorre por volta das 15h). Observe a Figura 1, que mostra as temperaturas mínimas e máximas climatológicas no período de 1991 a 2020 em linhas tracejadas, e as temperaturas medidas entre 1º de dezembro de 2024 e 11 de fevereiro de 2025 em linhas contínuas, considerando os três estados do Sul. A partir do dia 15 de janeiro, quase todo o período foi marcado por temperaturas acima da média. No caso da temperatura máxima, alguns dias tiveram essa temperatura superando em 5o C a média. Como a figura mostra a média de toda a região sul, os valores são um pouco suavizados de forma que não aparecem temperaturas máximas como de 42o C registradas em algumas localidades. Esse calor exacerbado corresponde a uma onda de calor. O termo “onda de calor” é o alvo dessa matéria. Assim, na sequência há perguntas e respostas para esclarecer esse assunto.
Figura 1 Evolução temporal das temperaturas mínimas e máximas (oC) obtidas através de média em todo a região sul do Brasil desde o dia 1o de dezembro de 2024 e comparação com a climatologia do período de 1991 a 2020. Dados obtidos do Climate Prediction Center-NOAA.
O que é uma onda de calor?
É quando a temperatura do ar está acima do que é esperado numa dada região e se mantém nessa condição por alguns dias.
Como se define uma onda de calor?
Existem várias metodologias para definição de onda de calor. Algumas levam em consideração apenas a temperatura média do ar, outras a temperatura mínima e máxima e, ainda, há várias outras combinações de variáveis. O Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) considera como onda de calor cinco ou mais dias consecutivos em que a temperatura máxima diária ultrapassa a temperatura máxima média mensal em 5oC ou mais. Na Figura 1 é apenas mostrada a evolução temporal das variáveis atmosféricas, não sendo aplicado nenhum critério. Entretanto, é nítido os valores mais elevados a partir do dia 15 de janeiro.
O que forma uma onda de calor?
As ondas de calor estão associadas com estagnação do escoamento atmosférico, em outras palavras, períodos com ventos fracos, pois há predomínio de sistemas de alta pressão. As altas pressões inibem a formação de nuvens, dificultam a passagem de outros sistemas formadores de chuva e causam a compressão do ar em direção à superfície. Esses fatores contribuem para o aquecimento exacerbado do ar na região de atuação da alta pressão.
Quais os impactos de uma onda de calor para a saúde?
Há vários impactos na saúde humana. O texto abaixo, reproduzido do Ministério da Saúde (2025), mostra alguns dos problemas:
Desidratação: A exposição prolongada ao calor pode levar à perda excessiva de líquidos e eletrólitos, resultando em desidratação, que, se não tratada, pode evoluir para condições mais graves.
Insolação e Golpe de Calor: O golpe de calor é uma emergência médica que ocorre quando o corpo é incapaz de regular sua temperatura interna, levando a sintomas como confusão, convulsões e perda de consciência. Se não tratada rapidamente, pode ser fatal.
Agravamento de doenças crônicas: Pacientes com condições cardíacas e respiratórias são particularmente vulneráveis durante ondas de calor, pois o esforço adicional para manter a temperatura corporal pode sobrecarregar o coração e os pulmões.
Problemas de saúde mental: A exposição prolongada ao calor extremo também pode agravar condições de saúde mental, como ansiedade e depressão, e aumentar o risco de violência e comportamento agressivo.
Visite o link https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/o/ondas-de-calor para conhecer algumas medidas de cuidados ao calor excessivo.
A onda de calor no Rio Grande do Sul tanto mencionada na mídia entre janeiro e fevereiro de 2025 é um evento inédito?
Não, as ondas de calor são eventos comuns em todo o globo. O problema da atualidade é que o aquecimento global está contribuindo para que esses eventos se tornem cada vez mais frequentes, intensos e duradouros.
As ondas de calor serão mais frequentes no futuro?
Sim, estudos com modelos numéricos do clima indicam que cada vez mais as ondas de calor serão mais frequentes, intensas e duradouras.
Para meados de fevereiro se espera uma onda de calor no sudeste do Brasil?
Sim, uma onda atmosférica emanada do oceano Pacífico aparece nas previsões meteorológicas atuando de forma a intensificar um sistema de alta pressão na região sudeste do Brasil. Esse sistema irá dificultar a chuva. Por outro lado, o sul do Brasil está mais favorável à chuva. Embora a Figura 2 seja um tanto complexa de entendimento, a cor amarela indica o fortalecimento do sistema de alta sobre o Brasil. Além disso, os tons de azul e laranja intercalados indicam as ondas na atmosfera.
Figura 2 Exemplo de uma previsão numérica de anomalia de altura geopotencial em 500 hPa (m) para às 1800 UTC do dia 16 de fevereiro de 2025. Fonte: https://www.atmos.albany.edu/student/abentley/realtime/anom.php?domain=southpac&variable=500g_anom
Qual a previsão para o inverno?
A previsão sazonal depende de muitos fatores (drivers climáticos) que se somam ao efeito do aquecimento global. Estamos saindo do verão e indo para o outono. Assim, o inverno ainda está um pouco distante para termos previsões mais acuradas.
Referências
Copernicus. (2024). Heatwaves – a brief introduction. Disponível em https://climate.copernicus.eu/heatwaves-brief-introduction. Acesso em 13.02.2025.
McGregor, G. (2024). Heatwave Responses: Early Warning Systems. In Heatwaves: Causes, Consequences and Responses (pp. 549-599). Cham: Springer International Publishing.
Ministério da Saúde. (2025). Ondas de Calor. Disponível em https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/o/ondas-de-calor. Acesso em 13.02.2025.
Ramis, C., & Amengual, A. (2018). Climate Change Effects on European Heat Waves and Human Health. Encyclopedia of the Anthropocene, 209–216. doi:10.1016/b978-0-12-809665-9.09798-6
UNDRR. (s/d). Heatwaves. Disponível em https://www.undrr.org/understanding-disaster-risk/terminology/hips/mh0047. Acesso em 13.02.2025.
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Por Michelle Reboita
*Associated of the International Centre for Theoretical Physics ICTP – Italy *Member of the CLIVAR/GEWEX Monsoons Panel: https://www.clivar.org/american-monsoon*Member of the CLIVAR Climate Dynamics Panel*Member of the Working Group on Tropical Meteorology Research of the World Weather Research Programme (WWRP)*Member of the Red Iberoamericana de Investigación en Riesgos Meteorológicos de Alto Impacto Socioeconómico, Clima y Cambio Climático: https://riimeteo.auip.org/*Member of the Climate Studies Group – GrEC/USP: www.grec.iag.usp.br
*Member of the Interdisciplinary Climate Investigation Center: www.incline.iag.usp.br*Coordinator of GPEPSA: https://meteorologia.unifei.edu.br/gpepsa/?pag=blog