Éramos tão crianças que nem ficamos sabendo que o Zé Hilton havia construído uma piscina no quintal onde anteriormente brincávamos com os cães perdigueiros do papai. Aí a mamãe, boa costureira que sempre foi, fez uns shorts grandes para duas pequenas que éramos, eu e minha irmã. E um belo dia nos enfiou naqueles shorts e nos mandou para a nossa antiga casa. Fomos sem saber de nada. Lá, o Zé Hilton e a Mainha já nos esperavam e nos receberam na maior gentileza.Passearam conosco pela “nossa” casa e nos levaram ao quintal onde, surpresas, nos deparamos com uma piscina. Na verdade eu nunca tinha visto nem uma e fiquei encantada. Logo eles trouxeram umas boias onde nos colocaram para flutuar naquela imensidão de água. A piscina era bem pequena, só que para as crianças o mundo é sempre grande.
Nós, entre nervosas e alegres, curtimos pra valer. Foi a perdição. Mal sabiam o Zé Hilton e Mainha que daí por diante seu quintal e sua piscina seriam invadidos quase que diariamente por nós e outros primos que fizemos de sua piscina nosso parque de diversões. Simplesmente não saíamos de lá para tristeza da mamãe que ficava constrangida diante dos bondosos primos pela nossa amolação de criança. O Zé Hilton e Mainha tiveram a maior paciência e foram de grande generosidade conosco e com todos, sempre abrindo o portão onde batíamos um tanto sem graça, quase todas as tardes durante muito tempo. Hoje fico pasma ao me lembrar de como foram tão generosos e compreensivos, pois evidente que amolávamos, mas eles nunca demonstraram qualquer contrariedade. Diante disso, costumávamos contestar a mamãe com o argumento de que eles até gostavam quando íamos lá! Imaginem!
Nos finais de semana a piscina era um verdadeiro “point” onde os jovens, mais velhos que nós crianças, se encontravam. Lembro-me dos maiôs antigos, dos risos, das tardes de céu azul, da água que espirrava nos olhos, do sol que queimava gostoso sem nunca fazer mal e do tempo que não passava, ou passava lento demais nos permitindo uma felicidade incrivelmente duradoura. Gosto do Saramago que diz que “naquelas épocas remotas, para as infâncias que fomos, o tempo aparecia-nos como feito de uma espécie particular de horas, todas lentas, arrastadas, intermináveis. Tiveram de passar alguns anos para que começássemos a compreender, já sem remédio, que cada uma tinha apenas sessenta minutos …”
A piscina do Zé Hilton foi a pérola de minha infância. Jamais poderei esquecer os momentos de grande alegria que passei lá. Aprendi a nadar ali naquele pedacinho de água e também meus irmãos. Meu pai, vendo que não abríamos mão de ir à piscina, concordou que fizéssemos uma em nosso próprio quintal, para alívio de minha mãe. Demos início de imediato ao projeto, nós e nossos primos, cavando sofregamente um buraco. Mas neste tempo, chegou a notícia de que teríamos que mudar de cidade pela transferência de posto de meu pai. E ficamos a ver navios, ou melhor, piscinas e bem de longe. Asseguro que de todas do mundo, nenhuma outra teve água mais gostosa do que a de minha infância.
Nunca mais fui àquela piscina, é claro. Sei que hoje já nem existe, mas na minha vívida memória ela está intacta. Há pouco tive a oportunidade de ver fotos cedidas gentilmente pela Heloise, filha do Zé Hilton. Marejei os olhos de lágrimas e atravessei o tempo, me enrosquei entre as pessoas no preto e branco daquelas fotos e me senti inundada de alegria e gratidão. Fica minha homenagem e meu agradecimento ao Zé Hilton por ter contribuído para minha felicidade de pequena. No fundo, no fundo, não passamos de crianças que apenas cresceram.