“A floresta está viva. Só vai morrer se os brancos insistirem em destruí-la. Se conseguirem, os rios vão desaparecer debaixo da terra, o chão vai se desfazer, as árvores vão murchar e as pedras vão rachar no calor. A terra ressecada ficará vazia e silenciosa. Os espíritos xapiri, que descem das montanhas para brincar na floresta em seus espelhos, fugirão para muito longe. Seus pais, os xamãs, não poderão mais chamá-los e fazê-los dançar para nos proteger. Não serão capazes de espantar as fumaças de epidemia que nos devoram. Não conseguirão mais conter os seres maléficos, que transformarão a floresta num caos. Então morreremos, um atrás do outro, tanto os brancos quanto nós. Todos os xamãs vão acabar morrendo. Quando não houver mais nenhum deles vivo para sustentar o céu, ele vai desabar.”
(Davi Kopenawa, prólogo, no livro “A queda do céu – palavras de um xamã Yanomami”, de Davi Kopenawa Yanomami e Bruce Albert. Companhia das Letras, 2015).
O país todo está em luto, ou deveria estar.
Pela morte cruel de dois homens, mas por muito mais do que só a morte, e apenas pela morte deles. Tantos até hoje já sucumbiram à maldade, à cupidez e ao descaso da sociedade pela conservação da natureza, que nem seria justo que nos revoltássemos apenas por Bruno e Dom.
O que deveria nos causar revolta e provocar passeatas é que alertas como o de Kopenanawa sirvam apenas como texto exótico, poético e alegórico, quase prontos pra uma escola de samba eleger como enredo pro carnaval do ano que vem.
Cruzam a semana ataques e defesas contra e do presidente, madeireiros, garimpeiros, traficantes, até dos próprios índios, como se existisse apenas um culpado pelas mortes.
Mas, sejamos honestos: a situação é antiga, o descaso é velho, os índios são seres de segunda classe desde o descobrimento, e todos nós somos cúmplices.
Melhor aceitar logo que dói menos.
Quem sabe essa indignação toda, do Brasil e do mundo, possam então resultar em ação coordenada, responsável e real: cuidemos do mundo, o único que temos, antes que não exista mais nada prá cuidar.
Bruno, Dom e suas famílias, desculpem-nos a todos pelo crime de omissão!
Graça Mota Figueiredo