Esta priorização, ligada geralmente a questões de cunho econômico, acaba por refletir em aspectos profundos da organização social, implicando em última análise em um impacto na reabilitação neurológica e psíquica do paciente. Nesse sentido, por exemplo, uma sociedade culturalmente enriquecida estará muito melhor capacitada para resignificar a vida do paciente com sequelas neurológicas. Caso contrário, ainda que o paciente receba os melhores cuidados técnicos existentes, o processo de resignificação fica interrompido e o sentido existencial perdido, pois assim como ele nada mais tem a oferecer para a sociedade, a mesma não tem nada a lhe oferecer. Quando se perde o sentido da vida, estão abertas as portas para as doenças.
A supervalorização dos aspectos quantitativos em detrimento daqueles qualitativos vem despercebidamente desumanizando a ciência. Em outras palavras é preciso uma retomada se ao buscar a medicina baseada em evidências, a medicina baseada no indivíduo for negligenciada. Assim, a medicina baseada em evidências tem sua importância, desde que saiba abrir mão de seus resultados protocolares em favor das particularidades de cada indivíduo. Um protocolo pode ser útil para operar uma máquina, mas ser impróprio como pacote de tratamento para todos indistintamente. O discernimento é fundamental na prática clínica e não pode ser protocolado, precisa ser desenvolvido, assim como a estrutura moral do profissional.
Estas colocações têm um propósito, visto que a psicologia que já tratou da alma (psiqué) das pessoas, está sendo conduzida, conforme se observa em alguns eventos, no sentido de ser uma forma de terapia com o objetivo de tratar apenas o aspecto mente das pessoas (Leia aqui:A mente mente). Essa dessacralização da fundamentação da psicologia, que favorece a uma ciência reducionista, pede cautela. Misturar e confundir os termos mente e cérebro a partir de protocolos e exames de imagem e redefinir o que seja a prática psicológica é território movediço.
De fato, uma das primeiras formas de tratamento psiquiátrico nos Estados Unidos chamada de “tratamento moral”, desenvolvido na Inglaterra pelo devoto Quaker William Turker, propunha um regime baseado na compaixão em detrimento das práticas médicas convencionais, partindo da ideia que a insanidade ocorreria em decorrência de uma quebra na comunicação da mente com o espírito. Devido ao seu sucesso, a terapia logo se espalhou pela Europa e Estados Unidos, dirigida por religiosos em sua maioria.
Assim sempre vale pensar e se for o caso resgatar o que sejam a prática clínica e o modo ideal de se promover o avanço científico. A ciência e seus métodos analíticos são tão importantes quanto o trabalho sintético de recompor a sabedoria da tradição em modelos práticos com aplicações clínicas, também relevantes para o tratamento. Nesse sentido, uma psicologia aliada a práticas médicas como cuidados paliativos, medicina de família e a medicina antroposófica é muito desejável para emancipar o ser humano da doença além de elevar sua saúde às condições mais plenas possíveis.