Quando meu marido me conheceu já sacou direto que eu era nula nessas questões. E anos mais tarde quando eu o questionei, passou-se assim nosso diálogo:mas antes, fazendo um parênteses, deixando claro que eu sempre fiquei constrangida em registrar isso numa crônica. Adiei, adiei, mas finalmente registro, vamos lá, foi assim:
– Beeem, você nunca ligou que eu não soubesse cozinhar, né?
E ele:
– Não, cozinhar eu dou conta, gosto muito, mas o que faço questão mesmo é de comer.
Pronto, falei.
Não que eu não participe da cozinha. Participo sim. Dou palpite, põe isso, põe aquilo, abrimos vinho sempre, nos esbarramos como dizia Adelia Prado: “É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha, de vez em quando os cotovelos se esbarram”. Às vezes saio correndo para anotar alguma coisa que ele falou, meu marido é uma fonte pura de crônicas. De novo, como dizia Adelia Prado: “somos noivo e noiva.”
Então, ele sempre foi ótimo, e tudo ou o pouco que sei, aprendi com ele. Minha mãe queixava-se de mim, dizia assim: ah Maria Luiza, ah Maria Luiza, a Agueda e a Raquel sempre quiseram aprender a costurar na máquina, mas você, você sempre passou direto, nem um pingo de curiosidade. É verdade. Costurar, então? Fala a verdade, nerusca de pitibiribas. As primas são verdadeiras artistas em tudo. Minha enteada também. Boa em qualquer coisa. Quer uma mesa enfeitada de Natal?Em dois tempos estava tudo lá, maravilhoso! E depois elaainda trazia uma taboa com damascos e nozes jogadas displicentemente ao lado de um Camembert! Parecia uma pintura! Coisa de louco! E quando costurou um vestido que me deu de aniversário: um mimo de um tubinho azul- marinho que amo!
E a ideia de escrever hoje sobre cozinha e prazer foi porque almoçamos omelete e macarronada simples assim com vinho branco em plena quinta. Lembramos de quando nos conhecemos e do meu medo de que ele não gostasse de mim por eu não saber cozinhar, pois até já ouvi que há homens que se casam porque a mulher é uma boa cozinheira. Não, meu marido não é assim. Um amor é mesmo feito de pequenas grandes coisas do dia a dia simples e significativamente grandioso. E durante o almoço ele aproveitou para me avisar: antes que você me chame, dizendo:
– Mooottaaaa, que que isso aqui na geladeira? Pode jogar fora?
– É pé de porco e costelinha com uma salmorazinha que fiz. Não mexe não!
Bem, repito aqui algo que já disse em outras crônicas: faço sofrivelmente um arroz com feijão e ovo, mas bordo delicadamente com as palavras o que nunca consegui com as rendas e linhas, afinal com alguma coisa eu tinha que lidar. Bancária medíocre que fui, tive o prazer de ouvir de meu sobrinho que me conhece tão bem: tia Misa, você tem alma de artista! Valeu pela vida toda! Às vezes acho que tenho sim. Palavra de honra, como dizia a mamãe.
Misa Ferreira escreveu e publicou os livros: Demência, o resgate da ternura (autobiográfico) /Santas mentiras (Crônicas) /Dois anjos e uma menina (infantil) /Estranho espelho e outros contos, além da coluna “Verbo Inverso“.