Então, a turma se reuniu com o professor e sugeriu que aquele menino da cicatriz não freqüentasse mais as aulas. O mestre levou o caso à diretora e ouviu que não poderiam expulsá-lo, mas conversariam com o menino para que, a partir daquela data, ele fosse o último a entrar na sala e o primeiro a sair. Dessa forma, nenhum jovenzinho veria o seu rosto a não ser que olhasse para trás.
Sabendo da decisão, o menino prontamente aceitou a imposição do colégio, com uma condição: que ele dissesse aos alunos o porquê daquela cicatriz. Então, no dia seguinte, ele começou a se explicar:
– Sabe, turma, eu entendo vocês. Na realidade esta cicatriz é muito feia mesmo, mas eu a adquiri porque minha mãe era muito pobre e, para ajudar na alimentação de casa, passava roupa para fora quando eu tinha seis anos de idade.
A turma estava em silencio, atenta a tudo. O menino continuou:
– Além de mim, havia mais três irmãozinhos: um de quatro anos, outro de dois e uma irmãzinha com apenas alguns dias de vida. Foi aí que, não sei como, a nossa casa de madeira começou a pegar fogo. Mamãe correu até o quarto em que estávamos, pegou meu irmãozinho de dois anos no colo, eu e meu outro irmão pelas mãos e nos levou para fora. Ela colocou-me sentado no chão e disse-me para ficar com eles, pois tinha que voltar para buscar minha irmãzinha que continuava lá dentro da casa em chama.
Nesse momento, até o professor e a diretora sentaram-se para ouvir o resto da história.
– Só que quando minha mãe tentou entrar na casa – falou o menino -, as pessoas que lá estavam não deixaram. Eu via minha mãe gritar: ‘minha filhinha esta lá dentro!’. Foi aí que decidi… Saí correndo e, quando perceberam, eu já tinha entrado na casa. Havia muita fumaça e estava muito quente. Eu sabia o quarto em que ela estava e, quando lá cheguei, ela chorava muito. Nesse momento, percebi coisas caindo do teto; então me joguei em cima dela para protegê-la e alguma coisa quente encostou-se em meu rosto.
A turma continuava atenta ao menino; então ele concluiu:
– Vocês podem achar esta cicatriz feia, mas tem alguém lá em casa que acha linda e, todo dia quando chego, minha irmãzinha a beija porque sabe que é marca de muito amor.
Pois é, você que leu esta história deve saber que o mundo está cheio de cicatrizes. Não falo de cicatriz visível, mas daquela que não se vê. Palavras ruins e ações perversas deixam marcas nas pessoas e, às vezes, doem como as chagas de Jesus Cristo. Ele adquiriu muitas cicatrizes em suas mãos, pés, corpo e cabeça. Na verdade, as cicatrizes eram nossas, mas Ele pulou em cima da gente, protegeu-nos e ficou com todas, sem exceção. Também são marcas de profundo amor.
Eis o que escreveu o meu filho, Alexandre, um dia lá de Ouro Preto:
– Pai, este é o texto mais bonito que li nos últimos tempos, da música ‘Graças Pai’ do Pe. Fábio de Melo. Sei que você conhece, mas lendo com mais atenção, se nota o quão lindo é:
‘O que me fascina em Jesus não é só a capacidade de ressuscitar os mortos, de curar os cegos ou os paralíticos; o que me fascina Nele é a sua capacidade e a coragem de dizer que Deus é Pai, um Pai que tem preferência pelos piores homens e mulheres deste mundo. Um Pai que ama os que não merecem ser amados, que abraça os que não merecem ser abraçados e que escolhe os que não merecem ser escolhidos. Um Pai que quebra as regras ao nos desconcertar com seu amor tão surpreendente, um Pai que não quer se ocupar com os erros que você cometeu até o dia de hoje. Porque o amor que Ele tem por você é um amor cheio de futuro. Ele não está preso ao seu passado e a Ele não interessa o que você fez ou deixou de fazer de sua vida. A Ele, o que importa é o que você ainda pode fazer.’
E por falar naquilo que ainda podemos fazer, lembro o vigor na oração da Dona Sebastiana, nossa querida agente da Pastoral Familiar na Comunidade Nossa Senhora do Sagrado Coração. Na missa dos seus 83 anos de idade, ela ouviu o Pe. Maristelo ler este texto que escrevi para ela:
‘Dona Sebastiana Cândida Pereira é considerada a ‘Mãe do Seminário’ no Instituto Padre Nicolau, em Itajubá, MG. Por amor a Deus e a Virgem Maria, há 19 anos ela iniciou sua caminhada de acolhimento aos seminaristas e caridade com os padres. De cafezinhos a horas ininterruptas de dedicação, ela serviu voluntariamente sete sacerdotes: Mário, Tarcísio, Jorge, Cortez, Edvaldo, Joaquim e Maristelo. A recitação do Terço antes das missas, também por iniciativa dela, levou muitos fiéis a alcançar graças maravilhosas de Nossa Senhora do Sagrado Coração. O nome de dona Sebastiana ficará gravado para sempre no Sagrado Coração de Jesus.’
Estas palavras ao lado de sua foto ficarão em destaque numa das paredes do noviciado. Que Deus a conserve sempre assim, com amor eterno por cada um de nós.