Acordei mais cedo que o habitual. Senti que era um dia diferente. Os ruídos de fora eram estranhos. Abri a janela e vi as ruas de minha cidade repletas de pessoas agitadas.Gente que falava, gesticulava e esboçava sorrisos estranhos, com caretas incrédulas. Outra enchente? Não, o tempo ainda de inverno estava lindo, céu azul e sol quentinho. Foi então que soube. Liguei a televisão e estarrecida assisti ao noticiário que explodia em plantões nervosos. Quase às vésperas da nova eleição, uma ordem suprema, divina e misteriosa chegara e assim mudara todo o destino do país.
De agora em diante não mais teríamos presidente, governadores, ministros, chefes de gabinetes, secretários, secretários de secretários, prefeitos, vereadores, assessores, assessores de assessores, tampouco partidos políticos. O país, seus estados e cidades seriam agora governados por um conselho de cidadãos, filhos da pátria, voluntários, cuja única condição para exercer seus cargos seria o AMOR por sua terra e por sua gente. Os salários dos políticos, até então, inacreditáveis e inimagináveis fortunas que fariam inveja ao pobre tio Patinhas seriam destinados para creches, educação, saúde, estradas, construção de vias férreas e outras necessidades reais da população. Os funcionários remunerados seriam aqueles que trabalhassem de fato, gente comum. E também aqueles que tivessem por função a verdadeira utilidade pública, como limpeza das cidades, jardinagem, ensino público, enfim, a administração necessária em geral. E semanalmente, os membros do conselho federal, estadual e municipal se juntariam a esses servidores para pessoalmente e efetivamente por a mão na massa, ou seja, cuidar de sua amada terra.
Os partidos políticos estavam extintos. O conselho agora seria composto por cidadãos que tomassem um único partido, o da solidariedade. Incrivelmente, logo surgiram pessoas para o conselho voluntário. Aposentados, estudantes, homens, mulheres, jovens e velhos, todos imbuídos do ideal de bem conduzir o país e as cidades para o progresso e harmonia. Afinal, um país sem presidente, estados sem governadores, cidades sem prefeito? Sem secretários, sem vereadores? Seria possível? Anarquia? Fim do mundo? Utopia? Loucura geral? Não, não, apenas um sonho. Acordei novamente. Olhei pela janela e vi engarrafamentos e pessoas que se arrastavam sob o peso da triste e corrupta realidade brasileira. Olhei para a televisão e assisti às mais incríveis e criativas notícias de corrupção. É, é tempo de eleição.