No ano que vem
Ah! … Eu vou ser feliz
Do jeito que eu sempre quis…
E mais um ano se vai e mais um ano que vem. Como todos os anos, já refeitos do sentimentalismo natalino, vamos nos vestir de branco, erguer taças de champanha, trocar votos de felicidades, estabelecer novas metas e abrigar no coração a esperança para tempos melhores. Faz-se um breve intervalo de euforia que culmina com o baile de réveillon onde dançamos, comemos e bebemos, como se a vida fosse uma eterna festa! E que seja pelo menos no último dia do ano! No dia seguinte, um desconfortável silêncio se instaura como um prenúncio de realidade com gosto de depressão e ressaca. A correria de fim de ano vem ao encontro da aceleração planetária, expressão já na moda que traduz essa ansiedade generalizada que oprime de tal forma as pessoas que não dá a elas a chance de refletir sobre a vida, antes, obriga-as a vivê-la impetuosamente, passando a falsa impressão de que o dia de amanhã tem que ser vivido hoje, pois o hoje não foi vivido a contento, aliás, o mais apropriado seria falar em insatisfação planetária acelerada. Afinal, donde vem tanta insatisfação, essa sensação amarga de falta, de ausência?
Será que esse sentimento de incompletude apareceu depois que o homem, que bem o diga Freud, passada a arrogância de seu narcisismo, deparou-se com a fragilidade de sua, até então, indiscutível e pretensa onipotência? Primeiro, descobriu que a Terra não era o centro do Universo, depois que sua natureza não era assim tão diferente da dos animais e por fim, que ele não era o senhor de sua própria casa, ou seja, havia uma grande parte da sua mente que ele não conhecia e não podia controlar. Solapadas, assim, as bases humanas, restou ao homem viver imprecisamente, como já dizia Fernando Pessoa, navegar é preciso, viver não é preciso. Numa tentativa obstinada de controle, o homem sempre retoma e retorna ao leme, nutrindo-se de uma teimosa ilusão de que ele é quem manda e conduz. Doce ilusão, ledo engano! O rio corre mesmo é sozinho. Mas o homem é assim desse jeito, é da essência humana achar que pode tudo.
Mas, enfim, como ser feliz nessa imprecisão e ausência de garantias? Como aquietar as ruidosas e dramáticas emoções se elas nos lembram continuamente de que caminhamos, assim como o equilibrista, num tênue fio a milhares de metros do chão? Felicidade não tem fórmula nem receita, cada um que descubra a sua. Há quem dê dicas preciosas como Guimarães Rosa que diz que, felicidade só em raros momentos de distração. Vamos vivendo, esbarrando na felicidade aqui e ali, mas ela se esquiva, não se dá por inteira, até parece querer nos dizer que ela só é plena quando nos esquecemos de persegui-la. Mas é Ano Novo, então, vamos parar de fumar, recomeçar aquela dieta, frequentar um novo curso, sobretudo vamos amar um pouco mais as pessoas, a nós mesmos, os animais, a natureza, a cidade em que vivemos, o nosso país, o nosso planeta ferido e carente de amor.
E para terminar, lembre-se, somos apaixonáveis, somos sempre capazes de amar muitas e muitas vezes, afinal de contas, nós somos o “Amor” (Carlos Drummond de Andrade).