A morte sempre será uma estranha, por mais familiar que seja, por mais presente que se faça. Nunca ninguém se acostuma com ela. Quando perdemos os pais, ela se torna real para nós, é quando cai a ficha, e percebemos que a fila anda, que seremos os próximos. Ficamos tristes, a saudade faz doer, porém aceitamos, resignados, a irrevogável lei da finitude. Mas quando perdemos um filho, a morte se torna odiosa porque escancara sua crueldade, arranca fora nosso coração e nos obriga a viver sem ele. Quando morre uma criança, desfaz-se a harmonia do universo, rompe-se a ordem da criação, instala-se o caos nas vidas dos que ficam. A morte de uma criança é uma tragédia absurda. Criança não devia morrer. Não parece justo. Mas enfim, a morte, mesmo sendo tirana não nos engana. A vida sim, ela vai nos envolvendo, nos seduzindo, se mostra boa, como diz o poeta Manuel Bandeira, mas logo ela “requinta em ser cruel”, pois “antes fosse toda fel”.
Reza uma fala popular que as crianças especialmente alegres, ativas, cheias de vida e sensitivas são “emprestadas” ao nosso convívio por pouco tempo. Ficam aqui, cumprem seu destino, e voltam para o Céu. Até dizem que são anjos disfarçados. Minha mãe contava de uma tal prima bem mais nova que era assim, falava coisas incríveis, profetizava, tudo isso sem saber por que fazia ou dizia determinada coisa. Pois a menina Maria pediu à sua mãe que falasse com o Vigário para celebrar sua Primeira Comunhão antes da data estipulada. Perguntada pela mãe a razão, ela simplesmente respondia: “não vai dar tempo”. Assim o padre achou por bem satisfazer à menina e no dia em que as outras crianças faziam sua Primeira Comunhão, Maria era sepultada depois de uma rápida enfermidade e consequente morte. Este fato realmente aconteceu, foi testemunhado pelos parentes e passado para nós pela minha mãe, que insistia em dizer que a Maria era uma criança diferente, era muito especial.
Pois o Pablo também era um menino saudável, com energia inigualável, lindo, brilhante, alegre, comunicativo, inteligente, falante, era a alegria dos pais e da irmã mais velha, era o pulsar do coração de sua mãe. Como isso pôde acontecer? Ela me contou que pouco tempo antes de seu falecimento, ele começou a cantar músicas evangélicas, de igreja, com voz afinada e cheia de emoção. O que dizer? Bem, sei o que minha mãe diria: “este menino também não era daqui … como a Maria”.
Querida Sandra, querida Tamiris, sei que estão vivendo tempos tenebrosos. Sei que as noites parecem eternas e os dias descoloridos e insípidos. Sei que sua casa não é a mesma, que o vazio pela partida do Pablo não será preenchido e que isto é absurdamente doloroso. Sei que o sol continuará nascendo e se pondo, que aos dias sucederá a noite, que a vida continuará, indiferente à sua dor, à minha ou a de qualquer pessoa. Sei que as batatas deverão ser descascadas e cozidas, que as plantas deverão ser regadas, as roupas lavadas e estendidas, e que, mesmo que a vida pareça impossível, não há nada a fazer senão viver.
Fica aqui minha homenagem ao querido Pablo. Para sua família deixo minha simpatia, minha admiração por tanta coragem nessa perda irreparável, minha solidariedade, meu carinho. E tenho certeza de que lá nos avenidas celestiais, o Pablo está encantando a todos com sua divina e infinita alegria! Que assim seja!