O que já foi já foi e o que virá ao futuro pertence. Bem, tudo isso na teoria porque na prática ninguém fica feliz só por saber que só se é feliz aqui e agora. É uma luta, um treino, uma prática diária, de momento em momento. Na vida sempre estamos lidando com algo difícil e dificilmente transformamos dores em flores. Quando estou passando por algum apuro, medo ou decepção, minha vontade mesmo é aquela de apressar o filme e pular para a parte seguinte como fazemos ou podemos fazer ao assistir a um drama pungente, um filme de terror ou de suspense. Há algum tempo eu estava assistindo ao seriado com episódios isolados, o “Black Mirror” e fiz isso, fui adiantando o filme usando o controle remoto. Ah quem me dera ter um controle remoto para a vida real.
Não, aí vale o nosso controle mesmo. Não há outro. Acordei preocupada. Afinal, quem não acorda preocupado neste mundo maluco? Ameacei ficar com pena de mim, desenterrei águas passadas, remoí coisas que ouvi, coisas que gostaria de ter falado e não falei. Ameacei entrar num redemoinho de tristezas e amarguras. Aí lembrei-me das palestras do “aqui e agora”. Não custa nada tentar. Vamos à prática. Não vou piorar meu estado de espírito, ah, não vou fazer isso comigo não. De jeito nenhum. No way.
Meu marido fazia algo cheiroso para o almoço. Eu abri um vinho assim meio de semana, sem nada a comemorar. E abri um sorriso, a princípio, um sorriso torto, é verdade, mais parecia um esgar. Depois foi se endireitando. Falamos de rotina e dos homens das cavernas. Ponderamos se eles teriam ou não uma rotina em seu cotidiano como nós temos. Eu apostei que sim. O homem de Neandertal havia percebido que era melhor caçar de manhã e descansar pela tarde. Traria sua caça, acenderia o fogo, reuniria a família e todos comeriam ao redor da fogueira. Se falavam, grunhiam ou emitiam qualquer som, tanto fazia, eles se comunicavam de alguma maneira. Meu marido acrescentou que ao cair da noite, quando a luz da lua clareava a caverna (ai que lindo!), o homem primitivo decerto transaria com sua companheira ou companheiro, e depois talvez iria escrever sobre seu dia de caça nas paredes toscas de pedras, tal como fazem os escritores e poetas de nosso século em seus computadores. Nem todos os homens das cavernas eram escritores, assim como hoje nem todos são. Rimos de nossas conjeturas, nos inebriamos com vinho. Enfim, mandei a bruxa de volta pra floresta. Rir de bobeira tomando vinho em pleno dia de semana não é felicidade, apenas um momento feliz, se é que existe alguma diferença.
Amanhã começa tudo de novo. Sei queoutras bruxas virão ao meu encalço. Bem, teremos que aprender a lidar com elas sem controle remoto.É possível viver um alegre dia comum, e talvez em algum dia do futuro nos lembraremos dos dias comuns e perceberemos que éramos felizes sem ter ganhado na loteria, nem vencido nenhum concurso, mesmo sem ser a 1ªbailarina do American Ballet Theatre ou ser uma contista como Alice Munro. A felicidade, se é que existe, é sim aqui e agora.