O mais novo filme de James Cameron provou ser mais um estouro de bilheteria e mais um sucesso do talentoso produtor. Combinando tecnologia e natureza, o resultado obtido foi uma explosão de beleza e sensibilidade até para os que não gostam de ficção futurística ou esoterismo. Afinal, quem não gostaria de viver em Pandora, com suas montanhas flutuantes e formas de vida que brilham no escuro ou em Pasárgada, de Manuel Bandeira, onde se é “amigo do rei”, ousando fazer um ousado paralelo. E mais do que isso, quem não gostaria de pelo menos de vez em quando, ausentar-se de si mesmo para, contraditoriamente, não deixando de ser o próprio, poder realizar ousados e secretos desejos e o que é melhor – desembaraçando-se de peias que atravancam o que na imaginação é possível e no real não o é?
No filme de Cameron, combina-se um genoma de um ser humano com um genoma do povo de Pandora, os Na’vi, resultando num corpo exatamente igual ao dos nativos. Ao tempo em que o protagonista dorme ou entra em uma espécie de coma profundo, ausenta-se do próprio corpo e passa a ocupar um novo corpo, um novo invólucro ou ainda um avatar criado, saudável e perfeito, uma experiência maravilhosa para Jake Sully que, sendo paraplégico, consegue andar, correr, sentir o contato dos pés com a terra e realizar proezas incríveis como voar. Este avatar ocupado por Jake traz para ele a liberdade perdida, a autonomia sonhada. Avatar, vocábulo originário do sânscrito, significa a “descida do céu à terra”, reencarnação de um deus num ser humano, proporcionando uma liberdade poderosa e divina, que possibilita à pessoa existir sem as amarras que aprisionam tanto o corpo como a mente. Enfim, sem querer contar o resto do filme, mas contando, Jake convive no novo corpo com uma nova realidade que o leva à sabedoria, à compreensão do bem que existe e que é esquecido pelos homens movidos pela ganância e outras más inclinações.
A experiência é fascinante e tentadora. Já pensaram? As mulheres obcecadas por um corpo perfeito correriam em busca de avatares nos moldes de La Bündchen, criminosos poderiam se esconder em outros corpos e noutros lugares. Cansados dos problemas, das doenças que fazem doer o corpo ou mesmo da mesmice dos dias, aí, dormimos, vestimos outro corpo e vamos viver em outros cantos com outras gentes, porém com outros novos problemas, o que dá no mesmo. Faz-me lembrar o caso de uma senhora que recebeu um exame trocado em que acusava uma doença. Ela, bem humorada, disse: “acho que vou ficar com este exame mesmo, vai que o meu está pior…” É que o problema não é só o corpo, é dentro da gente, provando que somos mais do que simples invólucros.
Bom, avatares à parte, tendo que contar com nosso próprio corpo e alma, resta-nos procurar a conformidade e a alegria que podem nos levar a amar ao próximo como a nós mesmos, numa luta que nunca deixará de ser nobre e digna, num mundo que sempre será “muito misturado”, expressão usada por Riobaldo, personagem do “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa. Inconformado, Riobaldo queria que o “bom fosse bom” e o “ruim, ruim”, coisa difícil de compreender e mais difícil ainda de separar, pois ninguém é totalmente mau, nem totalmente bom. Para viver, “carece de ter coragem” e apesar dos pesares, ainda é bom ser a gente mesmo!