Os dedos finos e brancos se alongavam mais ainda e os dentes apertando os lábios, num franzir de boca, indicavam que ela finalmente alcançava e agarrava com dificuldade o pé, com a perna esticada na cama. A testa também ficava franzida em mil rugas. Minha avó tinha uma ferida que coçava, dessas enroladas em gazes quilométricas. Aí ela respondia ao coçar com movimentos suaves e massagens no pé, para lá e para cá até que tudo tivesse sossegado. Tornava aos óculos e ao livro de oração, de capa preta e com um dourado finíssimo na borda de cada página, o que fazia um dourado só, grosso e imponente. E lá ficava minha avó, numa quietude de santos, aprendendo o caminho da perfeição e em paz de gente mais velha que não mais precisa correr. Daí a pouco, ela voltava a coçar o pé.
Eu assistia a tudo encantada, por ser ainda criança, pois as crianças sabem tirar encantamento de tudo, até de avó que coça a ferida no pé. Sua imagem sentada na cama, com a perna magra esticada não me sai das mais preferidas lembranças. Seu cabelo liso, branquinho, puxado para trás e preso por dois pentinhos, sua testa de baronesa, seu perfil nobre e seu olhar afiado. Haverá no mundo coisa mais bonita e terna para lembrar?