Estas questões parecem suscitar uma discussão pouco objetiva e as respostas mais comuns são defendidas com base em paixões ou posicionamentos partidários. Uma divisão comum é entre os que defendem maior intervenção do governo, as vezes chamados de intervencionistas, desenvolvimentistas, keynesianos ou até mesmo socialistas ou comunistas. Do outro lado os ditos liberais que defendem pouca intervenção do estado em questões sociais e de economia, as vezes chamados de neoliberais.
O que diz afinal a teoria econômica sobre este tema? Existe um consenso sobre onde o governo deve intervir ou não? A resposta é SIM, existe. Embora poucas pessoas procurem a resposta para estas questões em livros sérios e consagrados da teoria econômica contemporânea, ela está lá.
Os livros mais utilizados no mundo que tratam da introdução à ciência econômica pautam de forma bastante objetiva e conclusiva esta discussão. Pode-se mencionar os livros de introdução a economia de Paul Krugman e Robin Wells professores de Princeton, sendo o primeiro prêmio Nobel em Economia assim como o livro de Gregory Mankiw professor de Haward boas fontes para findar esta discussão. Estes são os dois livros mais adotados no mundo todo e ainda assim pouco consultados no Brasil para dirimir discussões simples como esta. Para os leitores que não gostarem de manuais mais técnicos fica a dica de leitura do livro de ThomasSowell, pesquisador de Stanford, que trata do senso comum na teoria econômica e pode ser lido como um livro de cabeceira.
Resta, portanto esclarecer para nossos ouvintes e leitores o que define onde o governo deve ou não intervir do ponto de vista da economia. A teoria contemporânea divide os bens e serviços que consumimos em alguns tipos básicos com base em duas características fundamentais destes bens e serviços.
As características relevantes para categorizarmos os tipos de bens e serviços são a EXCLUSIVIDADE, e a RIVALIDADE. Vamos entender estes termos.
A exclusividade diz que a propriedade de um bem impede outra pessoa de usá-lo, ou seja, as pessoas podem ser excluídas do uso do bem. Só irá poder usar o bem quem tem direito de posse ou quem o dono permitir. As leis reconhecem e fazem valer os direitos de propriedade.
A rivalidade diz que a utilização de um serviço ou bem por uma pessoa atrapalha ou até impede o uso que outra pessoa poderia fazer do mesmo bem.
Com base nestas duas características podemos dividir todos os bens e serviços da economia. Vamos a um exemplo para tornar a compreensão mais fácil. Eu estou hoje usando uma camisa polo preta. Esta camisa é minha, eu a comprei e tenho direito de posse sobre ela, inclusive garantido por lei. Eu posso usá-la, doá-la, e atévendê-la por um preçoque eu escolher, caso seja esta a minha vontade. Se alguém subtrair de mim esta camisa estará cometendo o crime de roubo. Portanto, posso afirmar que tenho exclusividade por esta camisa. É um bem onde há exclusividade, assim como um sorvete, um celular, um computador, uma calça, a gasolina do meu carro etc.
A mesma camisa polo preta que estou usando também possui a característica de rivalidade. O fato deu estar usando esta camisa rivaliza com qualquer possibilidade de outra pessoa também usar a camisa ao mesmo tempo. Ou seja, se estou usando não tem como outra pessoa usar de forma satisfatória. De uma forma simplista: “não cabem duas pessoas dentro da minha camisa, não tem como duas pessoas se beneficiarem ao mesmo tempo do uso desta camisa”. Portanto, minha camisa polo preta tem as características de exclusividade e de rivalidade. Um celular, um computador, uma calça, a gasolina do meu carro e muitos outros bens também possuem esta característica de rivalidade, assim como a de exclusividade.
Quando um bem possui simultaneamente as características de rivalidade e exclusividade chamamos na teoria econômica de bem privado.Os bens privados terão uma solução de oferta e de demanda em um mercado que chamamos em economia de alocação eficiente. Tomaríamos bastante tempo do leitor e do ouvinte para provar esta eficiência, mas já deixamos a cima boas referências de livros que demonstram isto. A ideia básica por trás desta eficiência é que para estes bens e serviços se deixarmos as pessoas livres para decidirem se querem produzir ou comprar qualquer um destes bens e serviços os recursos escassos da economia seriam alocados de forma eficiente graças a existência de um preço (recompensa para o vendedor)que permite a posse destes bens.
Esse mecanismo de alocação eficiente dos recursos funciona naturalmente apenas com o pressuposto que as pessoas sempre desejam o melhor para elas mesmas. Ao permitir que cada pessoa produza o que acha que é mais benéfico para ela produzir ela estará alocando seus recursos produtivos de forma eficiente. Irá produzir aquilo que ela consegue obter o maior lucro (associado ao preço do produto). Por exemplo, se uma pessoa é boa com o cuidado de animais ela pode se dedicar a reproduzi-los e trabalhar na pecuária ou na veterinária, se uma pessoa for boa com lógica computacional ela pode ser um bom programador. Desta forma cada pessoa irá se especializar no que acredita ser o mais benéfico para ela mesma. Eu sou economista e professor e entendo que vender o meu conhecimento nesta área é o que faço de melhor. Sequer me aventuro em tentar produzir os bens mais simples que consumo no dia a dia como plantar arroz ou tentar fabricar um lápis. Não sei bem fazer estes produtos e entendo que seria uma perda de tempo eu tentar fabricar o lápis que uso. Para mim parece até mágica como fabricar o grafite sólido e redondinho dentro de uma porção também bem prensada de madeira e redondinha. Para um engenheiro talvez isso seja trivial. Ele fabricará o lápis e eu venderei meus conhecimentos em economia. O veterinário irá cuidar dos animais e o médico operar o coração das pessoas. É muito obvio que um programador teria pouco sucesso em uma operação do coração!
Qualquer tentativa do governo de tentar alocar cada pessoa para a atividade que ele acredita ser a melhor a ser ofertada por aquela pessoa não será tão eficiente quanto deixar cada um escolher o que pode fazer de melhor. Afinal o programador sabe que terá sucesso vendendo softwares, mas não terá sucesso vendendo operações no coração, quem se arriscaria?! Ele sabe disto melhor que o governo que dificilmente conseguirá cuidar de todos ao mesmo tempo, acredite. Veja como são comuns os casos de fracasso de economias planificadas, onde o governo decide com o que cada um irá trabalhar. Desde as organizações dos reinos da antiguidade até as poucas economias planificadas que ainda existem.
Já falamos da oferta agora nos resta falar da demanda. A demanda é mais simples. Basta dizer que cada um sabe o que deseja adquirir. Todos temos recursos escassos e vamos alocá-los da melhor forma para nos satisfazer. Imagine se o governo que decidisse o que cada um deve consumir! Acredite isso já existiu e ainda existe. A liberdade de poder escolher o que quer adquirir gera a demanda. O preço de um bem será definido pela quantidade ofertada deste bem e pela quantidade demandada. O importante aqui é justamente a existência deste preço. Ele que irá dizer se vale a pena mais pessoas ofertarem o bem ou não e se vale a pena adquirir ou bem ou não. O mercado automaticamente levará a um equilíbrio de oferta e demanda e alocação eficiente dos recursos. Mas lembre-se o preço só irá existir se a característica de exclusividade existir. O direito de propriedade de um bem garante que quem não pagar não poderá ter posse sobre o bem. Para os produtos e serviços que chamamos de bens privados não é necessária a intervenção do governo na economia. O mercado, conforme já observado por Adam Smith em seu livro A Riqueza das Nações, tratará de resolver o problema de oferta e demanda.
Então quer dizer que a teoria econômica contemporânea define que o governo não deve intervir em nada que consumimos? A resposta é um grande NÃO. O governo deve sim intervir emalgunsbens que consumimos,não precisa intervir no que definimos como bens privados, mas nem tudo que consumimos são bens privados.
Quando um bem não possui a característica de exclusividade pode ser classificado como bem público, aqueles onde não há rivalidade nem exclusividade ou recursos comuns, onde há rivalidade e não há exclusividade. Para estes bens a atuação do governo é fundamental para ajustar os desequilíbrios que podem existir entre oferta e demanda.
Quer saber um bem que você consome e que não possui a característica de exclusividade? Um bem que é fundamental para sua vida, você consome o tempo todo e sem ele seu nível de satisfação ou qualidade de vida cai muito. O ar! Este que você respira o tempo todo! Não há exclusividade sobre o ar, não há direito de propriedade nem de posse sobre o ar. Não há um preço sobre o ar que você respira, mas pode haver uma demanda excessiva capaz de prejudicar a disponibilidade deste ar para quem deseja consumi-lo.
Pense em um caminhão que polui muito o ar de sua cidade. Ele consome o ar limpo e devolve ar poluído. Ou mesmo uma pessoa que fuma ao seu lado, ou uma fábrica que polui sem filtros em sua chaminé. Estes são casos de demanda excessiva que prejudicam o consumo do ar. Diminuem a quantidade de ar limpo para os demais consumirem. O mercado não ajustará pelo seu mecanismo de preço a oferta de ar. Não terá ninguém ofertando ar puro, pela dificuldade de definir a posse do ar e um preço pelo seu uso. Neste caso o governo deve atuar regulando o consumo do ar.
Isto vale para o ar, para a segurança, para o conhecimento básico, para uma praia pública bonita, uma cachoeira ou um parque público e até mesmo para os peixes do mar. Sempre que houver a lacuna da exclusividade pode-se fazer necessária a regulamentação por parte do governo, para que não haja demanda excessiva ou indevida de alguns bens e serviços que não terão o mecanismo de estimulo a oferta relacionado ao preço.
Este é um tema que ainda pode ser mais discutido. Alguns conceitos não foram ainda apresentados para não tornar o artigo longo ou não exceder nosso tempo de programa. Se gostaram do tema nos avisem que voltamos a falar sobre ele.
DENARIUS – Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento em Educação Financeira
Instituto de Engenharia de Produção e Gestão (IEPG)
Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI).