Li numa reportagem poética de Guimarães Rosa algo interessante sobre os besouros. Afirmava o escritor que a ciência, “em cômputos rigorosos” já demonstrara que o besouro não pode, de forma alguma, voar. Isso por causa da compleição do corpo, proporções, forma, peso, ou seja, cientificamente, os besouros não podem voar. Mas voam. Entretanto, acrescenta Rosa, às vezes acontece que um besouro descobre essa impossibilidade, e tomando consciência de sua inaptidão, não consegue subir nem mais um palmo e não se atreve mesmo.
De outra forma, há aquela história da águia que fora criada entre galinhas e acreditava ser uma delas, não podendo, pois, voar porque galinhas não voam (A águia e a galinha, de Leonardo Boff). Após insistentes tentativas do sujeito que não se conformava em ver uma águia acreditando que era galinha, a águia finalmente voa, aliás, teve que fazê-lo, uma vez que fora jogada do alto de uma montanha. Ou voava, ou morria. No fundo, a águia não acreditava que podia voar.
Transpondo para a condição humana, verificamos que somos capazes de proezas incríveis, vencemos obstáculos intransponíveis, porém apenas quando nos vemos em uma situação limite. Normalmente guardamos nossas ousadias e preferimos ações mais comedidas, como se guarda a roupa de festa para as grandes ocasiões e usa-se a roupa modesta para dias comuns. E nossa vida acaba sendo uma monótona sucessão de dias comuns. O foco todo parece estar centrado, não naquilo podemos ou não, mas no que acreditamos que podemos. Não está no poder, mas no crer. O besouro não pode voar, mas acredita que pode e voa. A águia pode voar, mas se criada entre galinhas, acredita que não pode e não voa.
Em um documentário de televisão já foi mostrado que pessoas que nasceram com deficiência no cérebro, contra todas as evidências científicas, desenvolveram aptidões normalmente tidas como impossíveis. O cérebro, vamos dizer assim, molda-se à situação exigida. Em outro estudo, uma pessoa era monitorada enquanto fazia exercícios ao piano. O cérebro então exibia a área afetada pelos movimentos dos dedos comprimidos ao teclado. Entretanto, outra pessoa sentava-se ao lado da que praticava ao piano, mas não se mexia, apenas observava os movimentos, acompanhando mentalmente. Pois não é que o cérebro dessa pessoa, também monitorada, apresentava a mesma variação da primeira? A força da mente é demais! Diga a uma pessoa do que ela é capaz e observe. De outra maneira, diga do que não é e também observe.
A criança não sabe que não pode, portanto, não tem medo de tentar, ela acredita e faz. A infância é receptiva e sábia, marcada pela intuição. Não é por acaso que Jesus aconselhava que acolhêssemos o reino de Deus como uma criança – “Em verdade vos digo, todo o que não receber o reino de Deus com a mentalidade de uma criança, nele não entrará” (Marcos 10,15-16). Quando nos tornamos adultos, vacilamos na fé. Vamos caminhando sobre as águas, mas tal como Pedro, quando o vento fica mais acirrado, somos tomados pelo medo e afundamos. Já não podemos mais contar com a sagrada inocência da infância em que todas as coisas são possíveis.
Sejamos besouros ou águias, tanto faz, importa acreditar. Melhor ainda, sejamos como as crianças. Se a gente não se fizer criança, a vida ficará difícil, seremos estranhos num mundo cada vez mais estranho e impossível.