O “Black Friday” acontece sempre depois do “Dia de Ação de Graças”, sinalizando o Natal que se aproxima e mexendo com o desejo e o bolso do consumidor americano e brasileiro também, pois que muitos lá marcam presença. Devido à sua fama, este evento já foi representado em filmes que em nada exageraram ao mostrar o alvoroço dos cidadãos enlouquecidos para adentrar às lojas e comprar o máximo possível de coisas geralmente desnecessárias. No ano passado um homem foi até pisoteado e morto pela multidão desvairada.
Os brasileiros que engrossam a fila dos compradores no “Black Friday” podem pelo menos pisar na neve de verdade e desfrutar de uma realidade que não é a nossa (para dizer a verdade, nem dos próprios americanos mais). Comprar muito nunca fez bem, pode levar à falência e além de tudo está fora de moda. Mas é assim mesmo, água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Imagens e informações sedutoras vão sendo subliminarmente armazenadas em nossa mente até que uma mentira se torna verdade, ou o mal se torna bem. Eu era criança e em casa já colocávamos algodão nos galhos de nosso pequeno pinheiro para fazer de conta que tínhamos neve. Até olhamos com inveja para a árvore de um conhecido porque ele trouxera de fora um aerossol que fazia a neve ficar mais autêntica. Tivemos que nos contentar com nosso algodão.
Também a nós parecia que o papai do seriado “Papai Sabe Tudo” (os mais velhos se lembram) sabia mais que o nosso pai e as casas com cercas branquinhas povoavam nosso imaginário de crianças, fazendo as nossas parecerem tão sem charme.
Aí engolimos o “hot-dog”, o “cheese-burger” e o “milk-shake” num “fast food” bem ao estilo do “american way of life”. Depois, tivemos um “insight” e aprendemos a fazer um “coffee-break”. Nossos salões de beleza passaram a ser “Esthetic center”, Beauty room” ou “Wonderful hair” ou ainda “Magic nails”. Nossas liquidações antes tão brasileiramente chamadas de “queima total” viraram “sale” ou …% “Off”. Pronto, já não mais sabemos quem somos. Embarcamos na canoa furada do sonho americano. Segundo o jornalista e artista plástico, Enio Squeff, a expressão “sonho americano” é de John Truslow Adams em 1931, que acabou valendo mesmo só para um por cento da população, a julgar pelos protestos dos próprios cidadãos americanos que, agora despertos do pesadelo, pretendem invadir Wall Street, pois não se conformam com sua exclusão nessa terrível fase do capitalismo.
Os comerciantes comemoraram os lucros com o “Black Friday” e o consumismo continua em alta. Pois é. Coisa de americano que acaba seduzindo a gente. Demorou muito para eu perceber que “Papai-sabe-tudo” foi uma farsa para nossos ingênuos olhares ainda infantis e as cercas branquinhas escondiam bem mais malícias do que poderíamos imaginar. O “Black Friday” nos ensina apenas que somos e valemos na proporção do que pudermos comprar. Todos aprendemos um pouco com essa gastança: os americanos, que podem e devem protestar e nós, que “Robert” não é “Bob”, mas Beto. Mas que a bolsa Louis Vuitton estava barata, ah isso estava, gente.