Se a energia faltar
O mundo vai pirar
Escuridão –
É boa ou não?
Parece que ainda estão investigando as causas do recente apagão (assim esperamos). Bem, falam em fenômeno da natureza, curto numa linha de alta-tensão, problemas na manutenção das linhas de transmissão, boicotes, ação isolada de “hacker”, o fato é que milhares de pessoas ficaram prejudicadas pelo ocorrido, sem falar no risco de vida dos bebês que tiveram que ser transferidos de hospital, pessoas que não puderam usar seu aparelho de respiração e outros. Enfim, a complexa máquina do governo (notem que o nome máquina é apropriadíssimo) não sabe ou não consegue falar (máquina não fala!) sobre o que realmente aconteceu. A quem iremos nós? Seguindo a dica do próprio presidente, teremos que ir mesmo a Deus, pois só Ele para nos socorrer.
Enquanto não temos uma merecida explicação, nada nos resta senão refletir sobre o impacto causado em nós pela falta de energia elétrica. Estamos em um momento crítico de nosso tempo, que diria Freud em seu “O mal-estar na civilização” se tivesse conhecido a nossa era atual. Não só ficamos prisioneiros em nossas casas, cada vez mais trancafiadas com grades em portas e janelas como também ficamos reféns de um mundo tão organizado em torno da tecnologia que ficar sem internet por um dia inteiro é o verdadeiro caos! Cumpre perguntar: será que a escuridão provocada pelas luzes que se apagaram no dia do blecaute também não está presente em nossas vidas docemente embaladas pelo conforto dos dias e noites aparentemente claros nos impedindo de constatar o automatismo de nossas ações diárias? Tal reflexão se torna necessária na medida em que estamos cada vez mais conscientes de que nosso planeta, habitação primeva, está cansado de tanta tecnologia, está doente, e nos cobra peremptoriamente cada ação de descaso com a natureza, esvaída cruelmente dia a dia.
Mas muitos dirão: não é culpa nossa, não somos nossos avós e bisavós que levavam uma vida simples e organizada dentro de suas limitações tecnológicas. Não, nós trabalhamos com computador e celulares, não podemos cultivar hortaliças em nossas áreas de serviço, não podemos sair de casa pela noite escura quando não há energia, pois há muito que os belíssimos lampiões do século XIX tornaram-se obsoletos e foram retirados. Sem dúvida, minha avó que nunca teve geladeira, acondicionava as carnes dentro de caixas de gordura num quartinho frio de chão batido e a farinha de trigo era moída na roça mesmo. Eram as galinhas que ainda botavam os ovos caipiras e por falar em galinhas, sem querer parecer muito pessimista, procurem conhecer alguma porque daqui a pouco tempo só poderão vê-la na internet e quando não houver apagão! Ah! Saudosismo piegas de gente mais velha que não sabe conviver com as coisas modernas. Homem! Como diria minha mãe, esse saudosismo não é só meu, acreditem ou não, já estava presente em pessoas incríveis na virada do século XIX como Freud e Fernando Pessoa, é que gênios sensíveis como eram, com o advento da controversa industrialização, já anteviam a serialização dos objetos e dos seres, consequências do modernismo e do capitalismo desenfreado.
Não sei se teremos mais blecautes (segundo o presidente, Deus é quem sabe!), então, para o mundo estranho em que estamos vivendo, por via das dúvidas, conservo um radinho de pilha no fundo do guarda-roupa, no mínimo, ele servirá para trazer alguma notícia de quantos dias permaneceremos sem a malfadada energia elétrica. Também já comprei velas, lampiões, antes que desapareçam do comércio por falta de uso e uma coisa importante que não falei – estou reaprendendo a conversar com a família em noite de blecaute, quando cada um poderá deixar o seu quarto simetricamente povoado com a tecnologia de ponta, e aí, quem sabe, poderemos nos conhecer melhor enquanto observamos as estrelas na noite escura, enquanto elas ainda brilham!