
Querido Diário
Cheguei naquele capítulo do café sem açúcar. Cansei de sentir inveja das amigas e do marido que já tomam o café sem açúcar como se estivessem saboreando o néctar dos deuses. Cansei, declinei, arreguei. Tomei a decisão. Tomar a decisão não é exatamente o mais difícil, o difícil é a determinação. Perguntei pra mim: Misa, você é um homem ou um rato? Sou uma mulher corajosa e determinada para tudo, mas agora confesso que estou meio assim sem forças para enfrentar esta empreitada. Café sem açúcar é um sacrifício, um martírio, um remédio amargo, verdade seja dita.
Meu marido sempre argumenta: não é do café que você gosta, você gosta é do açúcar, e você não pode opinar se este ou aquele café é melhor do que outro enquanto botar açúcar no seu café. Você perde o sabor do café. E eu respondo: Amorzinho, não pretendo nem quero opinar sobre qual café é melhor, nunca quis, qualquer café é bom desde que seja com um pouquinho só de açúcar.
Recebi algumas sugestões para amenizar a falta do açúcar no café, põe adoçante, põe mel, etc. Não aceitei. Se é para tirar o açúcar, que seja na raça, ou vai ou racha. A neta do meu marido me animou: o primeiro dia é horrível, o segundo dia já não é tão horrível, o terceiro dia dá pra levar. Daí por diante o café fica bom.
Para mim o primeiro dia foi desastroso. Fez-me lembrar de quando era criança e minha mãe fazia a gente engolir o óleo de rícino ou outro xarope amargo. Eu trancava a boca e ela tapava meu nariz, me obrigando abrir a boca para respirar, eu mal respirava e lá vinha aquela coisa na garganta. Minha era uma mãe carinhosa e exemplar, mas neste quesito era uma implacável torturadora. Continuando, o segundo dia foi horrível, sentia-me punida, injustiçada, deprimida, sem quaisquer perspectivas mais otimistas para enfrentar meu dia. No terceiro dia eu me senti uma condenada ao cadafalso, sem perdão. Concluí, isso não vai melhorar. O café com açúcar era para mim um consolo, um amigo íntimo e querido que me ajudava em minhas reflexões diárias. Se eu estava triste, tomava meu café com açúcar, se estava alegre, tomava meu café com açúcar, se estava com dor de cabeça, a dor passava, tudo ia bem depois de um caneco de café com açúcar.
Porém, sou determinada. Não vou chutar o balde. Não sou um rato, sou uma mulher determinada de uma rara determinação. Hei de vencer, hei de tomar este café amargo como se fosse meu café com açúcar e muito afeto.
Misa Ferreira é autora dos livros: Demência: o resgate da ternura, Santas Mentiras, Dois anjos e uma menina, Estranho espelho e outros contos, Asas por um dia, Na casa de minha avó e Ópera da Galinhinha: Mariquinha quer cantar. Graduada em Letras e pós graduada em Literatura. Premiada várias vezes em seus contos e crônicas. Embaixadora da Esperança (Ambassadors of Hope) com sede em Calcutá na Índia. A única escritora/embaixadora do Brasil a integrar o Projeto Wallowbooks. Desde 2009 Misa é articulista do Conexão Itajubá, enviando crônicas e poemas. Também contribui para o jornal “O Centenário” de Pedralva.