Pesquisador Craig Venter se promove comercialmente com auxílio de petroleiras, dizem especialistas
O pesquisador estadunidense Craig Venter anunciou, recentemente, o sucesso de sua tentativa de criar uma célula sintética auto-replicante (que pode se reproduzir por si só). A ideia do cientista é chegar à vida artificial, através de combinações exclusivamente sintéticas. Mas ainda não foi dessa vez.
O experimento – que custou 40 milhões de dólares e demorou 15 anos para ser concluído – utilizou-se de uma bactéria (natural) sem DNA. Por meio de um computador, a equipe de Craig sintetizou os dados de um DNA e o inseriu no micróbio. A partir disso, a célula iniciou uma auto-replicação, o que gerou células sintéticas.
Craig é conhecido por experimentos polêmicos, como o que sequenciou o genoma humano, há dez anos. Ao anunciar o feito, no dia 20 de maio, ele não economizou nos auto-elogios. No entanto, a comunidade científica está longe de ter uma posição unânime sobre os acontecimentos revelados pelo cientista.
Há aqueles que consideram que os experimentos podem, no futuro, reverter-se em benefícios à humanidade, como a geração de alimentos e a criação de agrocombustíveis e bactérias que absorvam os gases poluentes. Craig afirma que o avanço da biologia sintética pode resolver o problema da fome no mundo.
Outra parte da comunidade científica considera exagerada a repercussão do caso, já que a manipulação de DNA é um instrumento utilizado há algum tempo pelos cientistas. Há, ainda, aqueles que criticam os rumos tomados pela pesquisa, pois, a partir disso, parece não haver qualquer limite ético para experimentações.
Uma crítica recorrente a Craig dá conta de que o estadunidense tem o foco apenas no retorno financeiro propiciado por suas pesquisas. O Prêmio Nobel de medicina John Sulston, por exemplo, criticou a possibilidade de Venter patentear a célula sintética, porque, assim, ele obteria o monopólio da engenharia genética, o que seria um empecilho para eventuais avanços na área da saúde.
Interesses comerciais
Já a engenheira agrônoma Maria José Guazzelli afirma que é preocupante o fato de o grupo liderado por Craig estar associado às petroleiras British Petroleum e Exxon. “Os autores do artigo publicado na revista Science [que anunciou o experimento] sugerem ser possível alimentar pessoas e automóveis simultaneamente, e sugerem, ainda, que a biologia sintética poderia ajudar a limpar o ambiente, reduzir a crise climática e auxiliar a reduzir a crise alimentar. É um típico argumento de marketing usado para tornar a tecnologia aceita pela sociedade. Tecnicamente, talvez seja possível produzir biocombustíveis no futuro a partir de algas manipuladas sinteticamente, mas é preocupante que esse cientista, Craig Venter, esteja associado exatamente às petroleiras BP e Exxon para acelerar a comercialização de formas de vida artificiais”, afirma.
Para o pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Rubens Nodari, ex-gerente de recursos genéticos da Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, a repercussão da pesquisa de Craig tem mais marketing do que uma inovação em si.
“Temos que discutir o evento em si: ao contrário do que está sendo anunciado, não se tem uma célula artificial. Na verdade, foi um cromossomo que foi “engenheirado” in vitro e, depois, enxertado em uma célula. Portanto, a célula em si não é artificial, mas natural. O homem vai demorar muito para conseguir isso, se é que vai conseguir”, comenta Nodari, para quem o objetivo da pesquisa é estritamente econômico. “A bactéria não foi produzida para melhorar a vida das pessoas, mas para conceder vantagens econômicas a um instituto. Tanto é que eles já pediram patente”, diz.
Alarde
O pesquisador da UFSC afirma que o experimento representa um avanço dentro da engenharia genética, mas não é algo que represente uma ruptura. “Isso só foi possível porque o DNA é uma molécula do reino biológico que pode ser manipulada sem perder sua função. O transgênico já é uma manipulação. Na verdade, o que ocorreu agora foi uma manipulação de um segmento muito maior do DNA do que antes. Há avanços técnicos significativos por conta do tamanho do genoma, mas manipular DNA já está se tornando rotina”, explica.
Guazzelli também partilha dessa opinião. “É um trabalho técnico inovador, mas que está longe dos auto-elogios que a equipe do Craig Venter se atribui para “vender” seu produto. O marketing do anúncio é uma forma que as empresas têm de aumentar o valor de suas ações ou de conseguir mais financiamentos para suas pesquisas. Em 2007, Craig Venter já tinha solicitado uma patente nos EUA, e outra internacional, para ter a propriedade das técnicas de construção de um conjunto mínimo de DNA capaz de ser replicado corretamente na matéria viva. E, também, para ter a propriedade de produção de hidrogênio e etanol a partir de técnicas similares. Foi, portanto, um espetáculo também para atrair investimentos de capital de risco”, considera.
Fome e ética
De acordo com Maria José Guazzelli, a resolução da fome no mundo não passa pelo âmbito da biologia sintética, como defendem os discípulos de Craig Venter, mas pela justiça social. “Quanto à questão da fome no mundo, depois de décadas de tecnologias que diziam que iriam resolver esse problema (como a Revolução Verde e os transgênicos), o que temos mesmo como resultados é a devastação de recursos naturais, maior quantidade de pobres e excluídos, mais camponeses expulsos da terra e mais famintos. A questão nunca foi, e nem é, a quantidade disponível de alimentos, mas sim o acesso injusto a eles e aos meios para produzi-los”, defende.
A questão ética também tem sido alvo de polêmica após a divulgação do estudo. Embora haja pouca evidência de que os experimentos sintéticos tenham violado princípios éticos, o caminho que eles traçam é, no mínimo, perigoso. A engenheira-agrônoma Maria José Guazzelli questiona os limites desse tipo de pesquisa. “O que significa, em termos éticos, romper o limite natural, criando novas formas de vida, novos organismos? Que impactos essa tecnologia pode ter na saúde e no meio ambiente, na biodiversidade? E no campo social?”, pergunta.
Para ela, ainda é cedo para descobrir qual deve ser a magnitude do impacto desse tipo de manipulação genética. “Estamos longe de entender como os genes afetam o desenvolvimento da vida. E é muito difícil evitar que esses novos seres acabem entrando nos ecossistemas naturais, afetando os organismos naturais. Por isso é que organizações no mundo todo estão cobrando uma moratória em relação à biologia sintética, até que haja um debate público adequado e um sistema global eficaz de regulamentação”, opina.
Fonte: Brasil de Fato