Bem, vamos lá. O professor de português estava mais perdido do que eu. Deixou a língua portuguesa de lado, e sabe-se lá porque mudou de pato pra ganso. Falava em sexo. A sala era dividida de um lado meninas e de outro, meninos. Eu estava na fileira justamente ao lado dos meninos. E o assunto foi caminhando de um jeito que ficou seriamente impróprio. O professor comparava a mucosa dos lábios da boca com a mucosa dos lábios vaginais, enfatizando a sensibilidade dessas mucosas quando tocadas, tudo entre risinhos debochados por parte do professor e dos rapazes. Nada demais falar sobre isso desde que fosse numa aula de biologia ou coisa parecida, mas sem malícia. Mas na aula de português? Eu só me lembro que senti uma raiva imensa da situação. Eu não sabia, mas aquilo era um assédio, era um abuso do professor que se aproveitava da fragilidade das meninas, desrespeitando-as escancaradamente, e ria sem pudor com os garotos maldosos. Eu simplesmente me levantei sem que tivesse planejado, segui meus instintos, saí e bati a porta. Lá fora pensei: Misa, você está louca?
Mas não podia ficar ali do lado de fora da porta. Então, tudo o que eu queria era fugir, fui andando em direção às escadas. Meus cadernos estavam na sala, não podia ir embora pra casa. Neste momento, a garota que me atormentava, aquela que já tinha beijado pra caramba e sabia mais coisas neste sentido do que minha avó, saiu da sala e também e bateu a porta. Veio ao meu encontro querendo fazer estranhos acordos. Disse que aquilo era um absurdo e que devíamos fazer isso ou aquilo, para dizer a verdade, nem me lembro. Não fizemos nada. Acho que esperamos dar o sinal, ficamos misturadas aos outros alunos que saíam das salas e só voltamos depois do intervalo. Não me lembro se conversei com mais alguém sobre o assunto, na época acho que com ninguém. Estou certa de que não falei nada em casa. Nunca fui chamada na Secretaria, se tivesse sido não tenho a mínima ideia do que falaria, se falaria. Na próxima aula com o tal professor, a matéria foi só língua portuguesa. E depois da aula, ele pediu que eu esperasse. O professor se desculpou comigo, explicou algo como “às vezes acontece”, deixando claro que se desculpava apenas comigo, não com a outra menina porque ela não se dava ao respeito, mas eu era uma menina séria, palavras dele. Eu ouvi tudo calada, como era meu jeito. Eu era tímida, ainda sou, só que agora finjo que não sou e engano todo mundo.
Bem, eu não sabia nada de português nem de nada vezes nada. E dali por diante, o professor dava suas aulas de olho em mim, como que esperando aprovação. Senti que eu cresci aos olhos dele, talvez de toda a turma, pois eu havia sido capaz de um feito heroico e histórico ao deixar a sala batendo a porta em protesto pela minha indignação. Então, sabe como é? Eu não podia vacilar. Quando conquistamos o respeito de alguém, somos investidos de responsabilidades. Numa tarde em casa, eu peguei minha apostila e comecei a estudar, coisa por coisa, decorei as próclises, mesóclises e ênclises, fiz exercícios com locuções prepositivas, me familiarizei com sujeitos e predicados, verbos transitivos e intransitivos. Mas o mais bonito do mundo é que eu descobri que estudar era bom, que era gostoso saber, que o conhecimento era um tesouro. Eu era uma menina de respeito. Na próxima aula, ele fez perguntas, ninguém sabia porcaria nenhuma e eu arrisquei uma resposta, ele abriu o maior sorriso como se quisesse dizer: gente, como eu não percebi que ela era minha melhor aluna?
No processo de aprender português para corresponder ao meu novo status, eu me esqueci um pouco de meus sofrimentos. Minhas angústias e conflitos não ficaram exatamente curados, mas abriu-se uma nova porta em minha vida, eu me sentia alguém que possuía algo precioso. Quanto a namorar e beijar, bem, isso ainda iria demorar um bocado, mas já era alguma coisa conquistada. Saber português era mais importante do qualquer beijoca bobinho.
Este professor morreu logo depois num triste acidente. Nunca soube o que significou para mim aquele estranho episódio.