Conta a lenda que um velho sábio, tido como mestre da paciência, era capaz de derrotar qualquer adversário. Certa tarde, um homem conhecido por sua total falta de escrúpulos apareceu com a intenção de desafiá-lo.
O velho aceitou mais aquele teste e o homem mau começou a xingá-lo. Chegou a jogar algumas pedras em sua direção, cuspiu-lhe e gritou todos os tipos de insultos. Durante horas fez tudo para provocá-lo, mas o sábio permaneceu impassível. No final da tarde, sentindo-se exausto e humilhado, o homem sem escrúpulos se deu por vencido e retirou-se.
Impressionados, os alunos perguntaram ao mestre como ele pode suportar tanta indignidade. O velho, porém, também lhes questionou: ‘Se alguém chega com um presente e vocês não o aceitam, a quem pertence o presente?’ Um dos discípulos respondeu-lhe: ‘A quem tentou entregá-lo’. Daí, o sábio completou: ‘O mesmo vale para a inveja, a raiva e os insultos. Quando não são aceitos, continuam pertencendo a quem os carregava consigo. Portanto, a sua paz interior depende exclusivamente de você, pois as pessoas só podem lhe tirar a calma se você permitir’.
Bem, com certeza, falar é bem mais fácil do que praticar a paciência, contudo, eu posso testemunhar que o velho mestre da história tem razão. Mudando o meu comportamento e não mais deixando que me irritassem, adquiri o hábito da paciência e quase não discuto com alguém; aliás, quem procura colocar as suas insatisfações para fora, corre o risco de ‘queimar a língua’, como neste conto verídico que foi publicado no jornal ‘Juventude Vicentina’ de Barbacena:
Na década de 70 em Belo Horizonte, perto da Estação Ferroviária Carlos Prates, havia uma ponte de ferro que servia de abrigo para os mendigos. Idosos, jovens, mulheres e crianças vegetavam ali, em grande contraste com os padrões de classes culturais, financeiras e sociais.
Todos os dias dentro do carro, ao voltarem do trabalho, um senhor comentava com o amigo: ‘Tenho nojo dessa gente, são uns vagabundos! Essa raça é preguiçosa e não vale nada’. O colega, ao ouvir isto, o repreendia: ‘Não diga nunca uma coisa dessas sobre nossos semelhantes. É preciso entender que esses indigentes são filhos de Deus e, infelizmente, não tiveram uma família estruturada e nem oportunidades de realizar nada’.
Mas, o companheiro sempre discordava: ‘Que nada, pau que nasce torto, morre torto. Nem você e nem ninguém irá me convencer que estou errado a respeito dessa gentinha de rua’. E, assim, iam discutindo meses e meses ao passarem pelo local.
Um dia, próximo da estação, o gato do homem que se enojava dos pobres se assustou dentro do seu carro e pulou sobre ele, fazendo-o perder o controle do veículo. Como a rua saía em frente ao Rio Arrudas, o carro foi pra dentro d’água, colocando em risco a vida do motorista e de sua esposa. Se não fosse o pronto socorro prestado pelos mendigos ali presentes, eles teriam morrido.
Parte daquela ‘gentinha’ pulou voluntariamente nas correntezas, enquanto outros correram para cercar os motoristas que vinham passando e solicitaram que levassem os dois afogados ao hospital. Em seguida, os pedintes amarraram o veículo com cordas e evitaram que fosse levado pela correnteza, até chegar o reboque.
Esta história saiu no jornal com o título: ‘Os miseráveis em resgate!’ Eu penso que o maior resgate que fizeram naquele dia nem foi do veículo ou da vida do casal, mas da alma daquele que os considerava ‘lixo’.
Para uns, isso tudo pode ser apenas coincidência ou capricho da natureza, mas a verdade é bem outra: quem não se volta para Deus, um dia acaba levando uma ‘bofetada na face’. E quando Jesus disse que tomando uma bofetada numa das faces do rosto devemos dar a outra, não se referiu à parte física, mas sim ao perdão. É através do perdão que cultivamos a paz nos corações rancorosos e agradamos a Deus, além de evitarmos correr o risco de ‘queimar a língua’, não é mesmo?
Pena que a história não trouxe o depoimento do casal resgatado pelos mendigos após o acidente. Será que o marido seria capaz de repetir os insultos que fazia aos diariamente pobres? Como terá sido a sua conversão? Hoje, estaria vivo ou praticou a caridade e já se encontra no Céu? Tudo isso eu gostaria muito de saber, mas os fatos mais importantes acredito que foram contados.
O diálogo abaixo também é verídico e foi travado em outubro de 1995 entre um navio da marinha norte-americana e as autoridades costeiras do Canadá, próximo ao litoral de Newfoundland. Os americanos disseram primeiro pelo rádio:
– Favor alterar seu curso 15 graus para norte para evitar colisão com a nossa embarcação.
Os canadenses responderam de pronto:
– Recomendo mudar o seu curso 15 graus para sul.
O americano ficou mordido:
– Aqui é o capitão de um navio da Marinha Americana. Repito, mude o seu curso.
Mas, o canadense insistiu:
– Não. Mude você o seu curso atual.
O negócio começou a ficar feio e o capitão americano berrou no microfone:
– Este é o porta-aviões USS Lincoln, o segundo maior navio da frota americana no Atlântico. Estamos acompanhados de três destroyers, três fragatas e navios de suporte. Eu exijo que vocês mudem seu curso 15 graus para norte ou então tomaremos contramedidas para garantir a segurança do navio.
E a resposta foi humilhante:
– Aqui é um farol, câmbio!
Pois é, quantas vezes criticamos a ação dos outros, exigimos mudanças de comportamento nas pessoas que vivem perto de nós, quando na verdade nós é que deveríamos mudar o nosso rumo. Quem não percebe isso a tempo, pode acabar queimando muito mais do que a língua.