Nunca tive o menor pendor para a cozinha. Para ser absolutamente honesta e sincera, o pouco que sei aprendi com meu marido. Ele é quem cozinha no dia a dia, e curte muito fazer suas receitas. Seu empadão de palmito é imbatível, as empanadas argentinas, hummm, seu pão caseiro, enfim tudo o que faz é saboroso.
Quando nos conhecemos, depois de saborear uma comidinha deliciosa que ele havia feito, prometi que eu faria algo da próxima vez. Minha irmã e eterna cúmplice me ensinou uma receita de lasanha que eu adoro. Memorizei cada passo e lá fui tentar minha façanha culinária. Mas ninguém faz uma comida só de guardar os passos. Meu marido logo percebeu minha total falta de intimidade com a cozinha. Tomou o encargo e eu abri o jogo: não sei nem cortar uma cebola. A verdade liberta.
Dizem que o gosto pela cozinha já é algo nato, a pessoa nasce com ele ou não. Não sei. Considerando que sempre detestei ir ao supermercado, concordo com meu marido quando diz que o supermercado e a feira são os irmãos da cozinha.
Contudo, tenho feito algumas proezas na cozinha, duas vezes por semana boto a mão na massa, faço surpresa para o marido que chega curioso e dizendo que está tudo cheiroso. Não acredito muito, porém, como sempre, ele é um amor.
O que sei mesmo fazer é tecer as ideias, costurar os parágrafos, fazer bordado com as palavras, e às vezes até remendá-las. Mas que ninguém veja o avesso porque a primeira feitura é uma feiura, tal como meu ponto de cruz. Ainda tento cerzir significantes e significados e tudo sem máquina de costura. Posso fazer uma sopa de letras com salada de acentos e cozido de frases. No final, apresento um prato complexo, pois vivo sempre cercada de interrogações, louca à procura da expressão. Quem trabalha com a linguagem, trabalha com a alma. Não vou afirmar que tentar dizer o indizível seja mais fácil pra mim do que cortar uma cebola ou espremer um alho, mas é bem mais gostoso, ahhh isso é sim.
Misa Ferreira é autora dos livros: Demência: o resgate da ternura, Santas Mentiras, Dois anjos e uma menina, Estranho espelho e outros contos, Asas por um dia, Na casa de minha avó e Ópera da Galinhinha: Mariquinha quer cantar. Graduada em Letras e pós graduada em Literatura. Premiada várias vezes em seus contos e crônicas. Embaixadora da Esperança (Ambassadors of Hope) com sede em Calcutá na India. A única escritora/embaixadora do Brasil a integrar o Projeto Wallowbooks. Desde 2009 Misa é articulista do Conexão Itajubá, enviando crônicas e poemas. Também contribui para o jornal “O Centenário” de Pedralva.