Entretanto, tão logo o escorpião se viu a salvo, picou violentamente a mão do monge.
Instintivamente, como reação à dor, o mestre o soltou e o animal caiu de novo na água. É claro que o escorpião ia se afogando novamente e, mais uma vez, o mestre o salvou; é claro também que novamente o animal o picou.
Alguém que estava observando se aproximou do mestre e lhe disse:
— Desculpe-me, mas você é teimoso! Não entende que todas às vezes que tentar tirá-lo da água ele irá picá-lo?
O mestre respondeu:
— A natureza do escorpião é picar, e isto não vai mudar a minha, que é ajudar.
Então, com a ajuda de uma folha o mestre tirou o escorpião da água e salvou sua vida, sem que o escorpião pudesse picá-lo!
Quantas vezes isto nos acontece: fazemos o bem, damos o melhor de nós, e recebemos em troca palavras duras, desamor, até mesmo desconfiança ou ódio…
Nós, da área da saúde, que trabalhamos em meio ao sofrimento, que somos chamados apenas quando algo no corpo ou na mente das pessoas não vai bem, estamos bem habituados a receber muitas vezes o excesso da dor que sufoca a alma das pessoas…
É difícil, muito difícil não se recolher a um silêncio magoado; parece quase impossível manter a crença no ser humano.
Mas este é o desafio: a nossa natureza gentil e amorosa (todos somos feitos da matéria amorosa da compaixão) não pode se atrelar à gratidão do outro, não deve esperar do outro mais do que é possivel a ele nos dar, pelo menos naquele momento.
Mas há tantos momentos, tantos mesmo, em que o outro nos envolve, no meio da sua dor, com carinho e gratidão… Lembro-me de uma paciente que, já muito fraquinha, com períodos longos de silêncio e isolamento próprios de quem se prepara para morrer em paz, fazia um gesto de chamada e apontava para o seu próprio ombro: ela queria que eu me deitasse nele prá que ela pudesse me afagar os cabelos.
Eu nunca me fiz de rogada…