Em Itajubá, no sul de Minas Gerais, a observação de aves ganha cada vez mais adeptos, revelando surpresas que vão além do hobby: há cerca de um mês e meio, um observador local – não biólogo, mas entusiasta da natureza – registrou pela primeira vez na região o martim-pescador-miúdo (Chloroceryle americana), uma espécie rara e vibrante, conhecida por seus mergulhos precisos em busca de peixes. O pássaro, com sua plumagem contrastante de azul e laranja, foi avistado nas margens de rios locais, um habitat que ele geralmente frequenta em áreas alagadas como o Pantanal e o Cerrado. Esse primeiro registro para a cidade, compartilhado por um grupo local de 51 observadores fiéis, desperta tanto entusiasmo quanto preocupações com as transformações ambientais aceleradas. Em Itajubá, há um grupo forte de observadores de aves: o Observadores do Amantikir, que já conta com 51 membros e tem realizado importantes registros de espécies para Itajubá e região. Além disso, novos observadores de aves estão surgindo todos os meses com o Projeto Passarinhando. O martim-pescador-miúdo foi fotografado por Francisco Santos.
Michelle Reboita, pesquisadora do Centro de Ciências Atmosféricas da Unifei, que acaba de retornar de uma conferência na Itália sobre modelagem numérica do clima, enfatiza a urgência de transformar dados científicos em ações concretas. “Usamos modelos para projetar o clima e fazer previsões de tempo, mas não basta armazenar informações no computador. Precisamos torná-las úteis para os tomadores de decisão, ajudando a lidar melhor com as mudanças climáticas que só pioram”, afirma ela, destacando como eventos como ondas de calor na Europa – que ela presenciou recentemente – ecoam os desafios locais, como a estiagem prolongada no Sudeste brasileiro.
A convidada Karlla Barbosa, pesquisadora do Spatial Ecology and Conservation Lab (LEEC) da Unesp de Rio Claro/SP, explica que o avistamento pode indicar uma busca desesperada por novos territórios. “O martim-pescador-miúdo não é migratório, mas esse indivíduo provavelmente saiu em exploração por saturação em sua área original ou, mais preocupante, pela destruição de habitats”, diz Barbosa. A espécie, comum em biomas como o Pantanal, surge agora na Mata Atlântica como um sinal de alerta: “Ele precisa não só do rio para se alimentar, mas de árvores próximas para se proteger do sol e da chuva. Sem esse contexto, ele não sobrevive”.

O timing da descoberta é cruelmente irônico. Apenas 15 dias após o registro, a área exata pegou fogo, em meio às queimadas que assolam a região desde o início do inverno. Incêndios que se intensificam na transição para a primavera – o período mais crítico – não poupam nem aves raras nem as espécies locais. “Queimadas liberam gases tóxicos e partículas finas que irritam vias respiratórias, causando inflamações e infecções. Eu mesma sinto a garganta irritada pela fumaça desde terça-feira”, relata Reboita, conectando os impactos na fauna à saúde humana. Mucosas ressecadas pelo ar seco tornam as pessoas mais vulneráveis a patógenos, enquanto animais enfrentam os mesmos males: dores de cabeça, infecções e perda de abrigo.
Barbosa reforça que observadores de aves, mesmo amadores, são essenciais nesse cenário. “Temos um ‘exército’ de entusiastas produzindo ciência cidadã: eles geram dados que nós, pesquisadores, transformamos em conhecimento para monitorar ecossistemas”. Em Itajubá, o grupo local cresce semanalmente, com atividades mensais no projeto Passarinhando da Unifei atraindo novatos. Relatos semelhantes chegam de outros pontos, como o Pesqueiro Coroné, onde espécies incomuns como o tuiuiú, o socó-boi e o tucano-de-peito-vermelho – todos associados ao Pantanal – foram avistados, sugerindo uma tendência maior de dispersão forçada.
A perspectiva climática não é animadora. Reboita, com base em análises recentes, prevê que setembro termine seco, sem frentes frias até pelo menos o dia 26, e com precipitação abaixo da média. “A estiagem pode se estender até meados de outubro, quando a estação chuvosa inicia no Sudeste”, alerta ela, ecoando estimativas do Corpo de Bombeiros locais. Uma previsão de chuvisco oferece esperança tênue, mas não certeza – o que reforça a necessidade de monitoramento contínuo.
Enquanto isso, a descoberta inspira. Observadores de cidades vizinhas, como Pouso Alegre, já visitaram o local para fotos e registros, ampliando o interesse pela reconexão com a natureza. “Abrir a janela e ver um pássaro é uma forma simples de se aproximar do ambiente”, observa Barbosa, convidando todos a participar. Poetas, como Sérgio Roberto Costa, capturam o encanto em versos: “Martim Pescador, exímio mergulhador / De plumagem contrastante / Traz energia vibrante / Ao olhar do observador / Ou ao do simples admirador”.
Em um mundo de crises ambientais, iniciativas como essas em Itajubá mostram que o prazer pela observação pode virar ferramenta de preservação. Com mais olhos atentos, talvez possamos não só avistar aves raras, mas também proteger os lares que elas – e nós – compartilhamos.
Por Redação, com informações de Michelle Reboita e Karlla Barbosa
*Atualizado dia 14/09, às 23h12