Frequento salão de cabeleireiro para cortar os cabelos, e também gosto de cortar com barbeiros. Tudo começou no último verão quando vinha eu apressadamente, me consumindo de cansaço e calor, quando dei com minha imagem numa porta espelhada: suspirei aborrecida com a imagem de meus cabelos. Aquela franja longa e pesada já estava me dando nos nervos. Qualquer hora corto tudo curtinho, pensei comigo. Foi aí que entrei decidida e perguntei ao simpático rapaz: você cortaria meu cabelo? Ele titubeou, quis dizer que não, mas acabou assentindo, talvez pelo desespero estampado em meu semblante. Adorei. Virei freguesa e minha irmã também.
Pois bem, da última vez viajei no pensamento enquanto o barbeiro ia cortando mechas brancas que logo cobriram o chão. Como todo ser vivente moderno eu trazia o celular à mão e logo mostrei pra ele uma foto antiga de meu cabelo que estava do jeito que eu mais gostava e pedi meio sem jeito se ele podia fazer igual. Mas o problema é que o cabelo nunca sai igual, talvez parecido, igual não. Fiquei pensando por que é que não. Tá bom, um profissional é diferente de outro, cada um tem um jeito de cortar, certo, mas você pode ir no mesmo cabeleireiro várias vezes e o cabelo vai sair diferente de cada vez. Não adianta levar fotos, afinal, nós nunca somos os mesmos seres de ontem.
Talvez nossa expectativa quanto ao cabelo seja mais profunda do que possamos imaginar. Desejamos algo que não se limita ao exterior e às vezes nem sabemos realmente o que é. Simplesmente projetamos no cabelo este desejo que misteriosamente nos acomete. Sentar na cadeira de um barbeiro ou de um cabeleireiro traz um simbólico de mudança. Também há que considerar que não somos mais as mesmas, mudamos a cada dia, a cada hora, a cada estação. O branco já não é tão branco, os fios podem ter engrossado ou afinado um pouco, aquela franja traz lembranças de anos atrás e inconscientemente me cobra sentimentos diferentes do que tenho agora.
Será que não viajei demais? Por que tenho sempre que trazer tantas elucubrações malucas? O cabelo dificilmente sai igual, pronto. Ponto pacífico. Sou complicada assim mesmo, e à medida que as mechas iam voando para o chão, meu olhar se quedava perdido em pensamentos e lembranças difusas. A porta do inconsciente se abriu e eu relaxei deixando as tensões se dissiparem. Tudo bem. Enquanto eu me limitar a querer cabelos iguais aos que outrora tive, nada demais. O pior será quando eu carregar fotos de artistas e cantoras novinhas para o barbeiro copiar. Isso não. Aí o caso será mais sério.
De qualquer maneira agradeço aqui a gentileza de um perfeito Edward Mãos de Tesoura, ao cortar habilidosamente minhas madeixas me permitindo viajar em divagações mil. Freud que o diga!
Por Misa Ferreira. Autora dos livros: Demência: o resgate da ternura, Santas Mentiras, Dois anjos e uma menina, Estranho espelho e outros contos, Asas por um dia e Na casa de minha avó. Graduada em Letras e pós graduada em Literatura. Premiada várias vezes em seus contos e crônicas.Embaixadora da Esperança (Ambassadors of Hope) com sede em Calcutá na India. A única escritora/embaixadora do Brasil a integrar o Projeto Wallowbooks. Desde 2009 Misa é articulista do Conexão Itajubá, enviando crônicas e poemas. Também contribui para o jornal “O Centenário” de Pedralva