Foi assim, minha irmã estava sentada no sofá fazendo um bordado e assistindo à televisão. Era cedo ainda, nem dez horas da noite. O marido também estava, só que numa poltrona do outro lado da sala. Então, de repente, não mais que de repente, minha irmã olhou na direção da parte de trás do sofá, para ver quem estava passando, só que não havia ninguém passando, não havia outra pessoa em casa. Sabe essa sensação que a gente tem de que há alguém em determinado lugar! Preste atenção, ela bordando, ora com os olhos no bordado, ora na televisão, aí alguém passa atrás dela, atrás de onde ela está, marcando uma nítida presença. Só que foi tudo muito rápido, questão de segundos. O marido também olhou, pois ele também sentiu essa presença. Não havia ninguém, isto é, alguém que pudesse ser visto. A coisa foi tão real, tão forte, que até a palmeirinha no vaso balançou para lá e para cá, como se de fato alguém pudesse ter esbarrado nela. E quem pode garantir que não? Os dois, minha irmã e o marido se entreolharam interrogativamente e disseram juntos: você viu? Os dois sentiram uma presença ali com eles.
Existe um mundo que nós vemos e outro que também existe, mas invisível. Santa Teresa de Ávila dizia assim: “e eu que pensava que podia ver só com os olhos do corpo …” Só que a gente, acostumada com o correr da vida, com os trabalhos diários, não percebe o que não vê. Para isso, é preciso mais atenção desatenta, não ter medo de perder um tempo que se ganha, enfim, ver não vendo. Essas coisas estranhas só acontecem quando a gente está distraída da vida, sem fixação nos problemas, só vivendo por viver, assim como quando a gente está bordando ou pintando, ou cantando e é assim que Deus quer que a gente viva, sem ansiedade e temor, longe do frenesi dos problemas.
Quer que eu conte outra? Isso foi há mais de vinte anos, bem mais. Minhas três primas foram para Belo Horizonte passar uns dias com a irmã mais nova que morava lá. Como sempre acontecia, a irmã mais nova foi à rodoviária para esperar pelas irmãs, com máquina fotográfica e tudo, como já era o costume de fotografar as irmãs chegando. Bem, ela bateu uma foto que depois de revelada (ainda era essa época) mostrava uma das irmãs já fora do ônibus e as outras duas saindo. Mas qual não foi a surpresa quando elas perceberam numa parte pequena da primeira janela do ônibus, uma carinha, um rosto que parecia ser da mãe delas, já falecida e essa pessoa olhava para a câmera querendo ver melhor a filha mais nova ou todas elas. É claro que existe sempre um “parece ou parecia”, poderia ter sido o motorista ou qualquer passageiro porque é uma parte pequena da janela e o rosto se encontra meio espremido. Eu, pessoalmente, não tive dúvidas, era minha tia, era seu rosto, seu jeito, era ela querendo fazer parte da festa das filhas.
Minha irmã costuma dizer: eles estão entre nós …
Misa Ferreira é autora dos livros: Demência: o resgate da ternura, Santas Mentiras, Dois anjos e uma menina, Estranho espelho e outros contos, Asas por um dia e Na casa de minha avó. Graduada em Letras e pós graduada em Literatura. Premiada várias vezes em seus contos e crônicas.Embaixadora da Esperança (Ambassadors of Hope) com sede em Calcutá na India. A única escritora/embaixadora do Brasil a integrar o Projeto Wallowbooks. Desde 2009 Misa é articulista do Conexão Itajubá, enviando crônicas e poemas. Também contribui para o jornal “O Centenário” de Pedralva