Deixe entrar sem bater, meu amigo, os que morrem de frio, mais por falta de amor do que da roupa. Deixe entrar sem bater os que perderam o rumo dos trilhos complicados da existência; talvez achem no céu de seu abraço a estrela de Belém.
Deixe entrar sem bater os que têm fome mais de carinho do que de pão, e reparta com eles sua vida – que vale muito mais do que seu dinheiro. Deixe entrar sem bater os que chegam a pé, empoeirados e cansados, porque a passagem do destino era cara demais e ninguém lhes pagou sequer o bilhete da terceira classe no trem da felicidade.
Deixe entrar sem bater os enjeitados no princípio: filhos de mães solteiras, filhos do prazer criminoso e egoísta. Deixe entrar sem bater os enjeitados no fim: os velhos e velhinhas que deram tudo de si, que perderam as pétalas da vida em benefício dos frutos – seus filhos -, e agora são deixados a murchar no fundo dos asilos.
Deixe entrar sem bater os esquecidos, por não poderem mais fazer carinhos, porque ficaram tão grossas suas mãos – com calos e feridas do trabalho – que agora suas carícias parecem que machucam a face que os rejeita. Deixe entrar sem bater – como se a casa fosse deles -, os que não tiveram tempo de ser crianças, porque a vida lhes impôs uma enxada nas mãos, quando deveria pôr nelas algum tipo de brinquedo.
Deixe entrar sem bater os que nunca tiveram sorrisos em seus lábios, porque a lágrima chegava sempre primeiro, entrando-lhes pelo canto da boca e estragando com sal o doce da alegria.
Deixe entrar sem bater todos estes, sem temer que falte espaço, porque no coração de um cristão sempre cabe mais um – e até milhares! -, e depois que tiver a sala do seu peito lotada de infelizes, aleijados e famintos, você vai ter, amigo, a maior das surpresas: verá que a face torturada de tantos desgraçados se transforma, de repente, no rosto luminoso e sorridente de Jesus – Jesus falando assim só para você:
“Meu filho, agora é a sua vez; entre você também sem bater, a casa é sua. Um cantinho do céu é todinho seu!”