Eu já sabia disso, não é nenhuma novidade, embora toda novidade seja nova quando dita de outra maneira. Eu estava assistindo a um filme em que a protagonista era uma menina linda, assim de uns vinte e cinco anos, no máximo. Rostinho liso, corpo firme, esses atributos que a gente tem de graça quando se é jovem e nem precisa lutar para manter. Lembrei-me de minha irmã que sempre diz, como a juventude é bela!
A vida passa rápido demais e as múltiplas pessoas que existem em mim são as mesmas que éramos antigamente. Sou eu mesma, menina, adolescente, jovem e senhora de meia idade que hoje pensa sobre o peso do envelhecer.
Elas não foram para lugar nenhum, estão juntas lá dentro das salas e quartos do meu inconsciente, confabulando sobre a melhor maneira de conviver ou de sobreviver neste mundo que é dos jovens. A jovem linda do filme tinha mãe, mulher bonita também, mas era a mãe, mais velha, assim de quase cinquenta, que fazia um papel secundário, que se tirassem do filme, não ia fazer falta. E o papel principal, é lógico que era da jovem. É só assistir a qualquer filme, qualquer novela, lá estão os jovens dominando, noventa e nove por cento. Difícil aparecer um filme em que o papel principal seja de uma pessoa mais velha. É claro que eu já sabia disso, mas ali naquele momento a ficha caiu de maneira diferente, entende? Não estou reclamando, é assim e nós, os mais velhos, temos que aprender a ceder o lugar, deixar que os jovens assumam. Mas que o mundo é dos jovens, é.
É, e a vida passou. Aí veio aquele frio na espinha, a necessidade de fazer um balanço, de pegar os rascunhos para ver se não faltou nada, quem sabe me esqueci de passar para o caderno principal aquele acontecimento digno de Oscar, afinal, não é possível que a vida tenha sido assim tão discreta, eu devo ter vivido qualquer coisa de mais emocionante. Repasso todas as folhas, não, não tem mais nada. Minha vida foi assim mesmo, nem todo mundo é rainha Elizabeth. Somos a maioria, com nossas vidas anônimas, cheias de coisas alegres e tristes, bonitas e feias.
A discriminação para com as pessoas mais velhas existe sim e olhe que não é só da parte dos mais jovens não, é dos mais velhos mesmo. Imagine! Até do Tony Ramos estavam falando outro dia. Mulheres de meia idade que já idolatraram o moço, quero dizer, aquele ator que quando moço, era o galã de todas elas. Diziam assim, referindo-se à novela atual, sem qualquer escrúpulo e sem qualquer remorso, já tá velho, barrigudo, vê se tem sentido botar pra fazer esse tipo de papel, que vergonha!
Pois é. Que traição! Parece que foi ontem mesmo que todas as mulheres suspiravam quando viam o Tony, aquele cara super peludo, o que deixava as moças mais loucas ainda, o bom moço que hoje envelheceu, como todos que já envelheceram e todos que irão envelhecer porque ninguém escapa do tempo, não é?
Como dizia meu pai, por mais que doa, eu prefiro a verdade. No início assusta um pouco, não posso negar. Geralmente é quando estamos nas lojas e consultórios e pegas de surpresa, ouvimos, a senhora deseja o quê? Senhora? Eu? E olhando dos lados vejo que se trata da minha pessoa. Sim, sou eu mesma. Não tem mais ninguém no recinto. Assim que dá, antes mesmo de chegar em casa, topamos com um espelho e tentando disfarçar, fazemos aquele gesto com a boca pra lá e pra cá, como a esticar a pele. É assumir com serenidade, dignidade ou resignação, seja lá como for, mas assumir. Entretanto, confesso. Adoro quando meu marido me diz assim, menina, que é isso?
Ou, menina, venha ver essa notícia… Pois é. Sabe? remexe com a meninice guardada dentro de mim, com minhas lembranças, minhas entranhas. Mas ainda prefiro a verdade, por mais que doa.