Quase sempre eu tinha que ficar no pronto atendimento para receber soro por causa dos vômitos e muita dor de cabeça. Quando eu chegava lá, as enfermeiras se entreolhavam com ares de quem queria dizer: lá vem a mulher das enxaquecas. Quando era finalmente liberada, voltava pra casa me sentindo um espantalho destroçado depois de um tornado F5 com ventos de 250 a 330 km/h. Às vezes o bem estar demorava um pouco ou muito para voltar e eu me preocupava achando que nunca mais ia ficar bem. Então, eu relatava pra minha amiga como estava: estou melhor, mas não muito firme. E ela: é preciso paciência, você tá igual minha mãe fala: “tá bom, mas não tá gostoso.”
Esta frase acabou sendo incorporada ao nosso já tão rico arsenal de códigos e expressões familiares, entre outros tantos. Quando estamos nos restabelecendo de alguma doença ou mal estar, ainda fragilizados no corpo e no espírito, costumamos dizer entre nós, irmãs e primas: já estou melhor, tá bom, mas não tá gostoso ainda, aludindo à frase de D. Cora. Ontem uma prima querida usou esta expressão para significar uma baixa em seu estado de espírito, o que me levou imediatamente para a época das enxaquecas. É muito difícil separar o que é do corpo e o que é da mente ou da psique ou alma, que seja. Quase sempre quando o corpo adoece, o espírito já estava enfermo e não nos dávamos conta disso. A homeopata sempre me perguntava: afinal o que é que você tem tanta necessidade de por pra fora, referindo-se aos terríveis vômitos. O corpo era curado com medicamentos, mas o espírito estava lá caladinho ainda enfermo.
Esta parte invisível de nós de repente irrompe das profundezas e grita por atenção, não admite carregar tantas dores e exige repartir a carga com o corpo. Enfim, nessa barafunda e complicada teia de que somos feitos sempre arrastamos atrás de nós uma longa comitiva de sequelas de perdas, de traumas por rejeições, de decepções e outras tristezas ou simplesmente ansiedade com a vida. E haja corpo para dar conta de nossas mazelas aparentemente invisíveis.
Quanto à enxaqueca daquela época, um dia sarou. E quando saramos nunca sabemos ao certo qual o remédio exato que fez efeito, pois sempre acontece de estarmos tentando mais de um procedimento. Certa vez, mergulhada naquela crise enxaquecosa, eu olhava desanimada para a jovem médica que me atendia. A menina esperta e competente me perguntou se eu conhecia certo medicamento que não era exatamente indicado para enxaqueca, mas que atuava bem nela. Resolvi experimentar. Nunca mais tive nem uma única crise. Uma dorzinha ou outra, porém nada que um comprimido pra dor não resolva. E vômitos nunca mais. Ocorre que por essa época comecei a escrever e talvez a escrita tenha aberto uma porta emperrada dentro de mim e mais outras tantas. Escrever faz bem para quem escreve e para quem lê. Escrever cura. Goethe já dizia: “se uma dor te aflige faze dela um poema”. Eu fiz.
Ainda resta uma terceira hipótese: meu marido convencido insiste em dizer que eu sarei depois que me casei com ele. E quem pode dizer que não? Ou quem sabe, talvez um pouco de tudo: um pouco pelo medicamento, um pouco pela escrita e muito pelo amor.
Tá bom e tá muito gostoso!