Cada vez mais os avanços tecnológicos na área neonatal têm proporcionado maior sobrevida de bebês de muito baixo peso ou com problemas graves de saúde. Conseqüentemente, isso repercute em um aumento considerável da população com deficiência mental, que demanda cuidados bem particulares ao longo de toda a vida. Foi pensando nessas condições especiais que pesquisadores do Instituto Fernandes Figueira (IFF) da Fiocruz resolveram identificar os significados construídos por mães que tiveram a experiência de ter um filho com síndrome de Down, assim como os artifícios que elas utilizaram para se adequar à nova situação, além das dificuldades enfrentadas na rede pública para obter o melhor tratamento para as crianças.
As entrevistadas se perguntavam o que haviam feito ou deixado de fazer na gestação que pudesse ter afetado o bebê. Os enredos seguiam com declarações de resignação e amor incondicional ao filho
Para a pesquisa, foram realizadas entrevistas com sete mães atendidas nos ambulatórios de genética ou de neurologia de uma unidade de saúde de nível terciário no Rio de Janeiro. As participantes escolhidas estão com seus filhos na adolescência, com idade entre 11 e 19 anos, e são moradoras de bairros do subúrbio e da Zona Oeste da cidade, sendo integralmente dependentes do serviço público de saúde e educação para o atendimento de seus filhos. Segundo os pesquisadores, em artigo publicado na revista Cadernos de Saúde Pública da Fiocruz, as narrativas das mães revelam um longo percurso de construção identitária que se inicia no momento do diagnóstico.
Os resultados apontaram que, a princípio, o impacto da notícia é forte e, mesmo com o médico enunciando o fato, as mães não conseguem incorporá-lo de imediato. “Certamente não se tratava apenas de não compreender as explicações técnicas ou por uma abnegação ao fato, ou mesmo pela associação de ambos”, explicam os estudiosos. “O que se depreende é que estes relatos causavam tal desordem e ruptura de expectativas que demandariam uma re-elaboração dos pais por meio de mediações coletivas ao longo de certo tempo, sejam por familiares ou pela confirmação de outros especialistas”.
Nas entrevistas, as mães mencionaram a elaboração simbólica da perda do filho “normal” após o diagnóstico, seguida de um freqüente sentimento de culpa quanto à “anormalidade” dos filhos. “Elas se perguntavam o que haviam feito ou deixado de fazer durante a gestação que pudesse ter afetado o bebê”, contam os pesquisadores. Os enredos, em geral, seguem com declarações de resignação e amor incondicional ao filho. “Estas narrativas tratam, portanto, da construção de duas novas identidades, da criança, agora ‘portadora de necessidades especiais’, e da mãe, que heroicamente se dedicará quase que integralmente ao cuidado e melhora do estado de saúde do filho”.
Após essa etapa, o relato se concentra nos percursos institucionais para o alcance dos objetivos e no descontentamento com atendimentos inadequados na área de saúde e da educação. “Elas denunciam as dificuldades de acesso e de uma atenção de qualidade que seja capaz de proporcionar um atendimento que aprimore as potencialidades das pessoas com deficiência, favorecendo uma maior independência dos filhos e maior inclusão social”, afirmam os pesquisadores. Apesar disso, o estudo evidenciou que uma rede social de apoio pode ser um bom atenuante e melhorar as condições da família econômica e afetivamente. “Excepcionalmente foi destacada a participação do marido para além do papel de prover o sustento, e de outros filhos e demais familiares para que ajudassem nos cuidados cotidianos, aliviando a sobrecarga de trabalho”, pontuam os estudiosos.
Fonte: Agência Fiocruz