O ataque à jovem gerou uma série de grandes protestos pela India, em que os manifestantes revoltados clamaram por justiça, exigindo a pena de morte para os homens envolvidos na atrocidade e pedindo a atenção das autoridades para o fim da cultura da impunidade contra as mulheres. É sabido que mulheres vítimas de estupros optam pelo silêncio por causa do constrangimento que têm que passar, mas na India a questão é mais grave porque as mulheres estupradas são tratadas com imenso desprezo e quase sempre consideradas culpadas do próprio estupro.
A situação de insegurança das mulheres indianas é um problema entre milhares de outros e também um reflexo da sua caótica sociedade estratificada em castas. Com uma população acima de 1 bilhão e duzentos milhões de habitantes, falando milhares de línguas diferentes, a India não consegue se afastar da pobreza. Seus filhos são atormentados pela fome e carecem de tudo. O país tem a maior quantidade de pessoas que defecam ao ar livre e o abuso sexual se tornou uma prática comum, ignorada pelas autoridades.
A crueldade do sistema de castas na India só faz piorar a situação social, deixando os miseráveis mais miseráveis ainda, pois acreditam terem nascido com destino e posição determinados numa sociedade. Cada pessoa deverá permanecer em sua casta e os mais ricos não devem ajudar os mais pobres porque correm o risco de serem expulsos de sua casta privilegiada. Existem cerca de 6.400 castas e a mais inferior é composta pelos “Dalits”, pessoas que não são consideradas humanas, que seriam assim como a poeira sob os pés de Brahma, o deus supremo do hinduísmo. Estes indianos suportam, resignados, as mais incríveis indignidades como comer em louça quebrada, vestir apenas roupas herdadas de cadáveres, não podendo beber água da mesma fonte de outras pessoas. Vivem em fossas e esgotos, são estigmatizados como a escória da sociedade e mulheres dessa casta são estupradas e queimadas vivas, sempre tidas como culpadas do próprio estupro, como já mencionado acima.
Para quem quer conhecer a India real, o livro “Um delicado equilíbrio” de Rohinton Mistry, é uma obra notável, um romance comovente que retrata com sensibilidade a sociedade indiana, destroçada pela injustiça das castas.
Voltando à jovem estuprada, a repercussão do crime tem sido grande, felizmente. Atraiu a atenção da alta-comissária da ONU para Direitos Humanos, Navi Pillay que pediu para que a India volte seu olhar para essa questão do descaso das autoridades indianas em relação às vítimas de agressões sexuais. Esperamos que mais autoridades e mais países se manifestem, para que os sofrimentos das mulheres indianas sejam minorados. Esperamos que o triste e deplorável episódio da jovem estuprada e morta tenha quebrado o silêncio milenar que tem permitido que meninas e mulheres indianas vivam à mercê de uma sociedade machista e covarde.
Todos os crimes são abomináveis, porém alguns parecem ser ainda mais hediondos e cruéis. É Ano Novo, eu gostaria de falar de esperanças, votos de felicidades, bênçãos e graças, sorrisos e gentilezas, mas hoje apenas cito Antero de Quental: “Só males são reais, só dor existe …”