De todas as definições que pretendem esclarecer sobre TEA (Transtorno do Espectro Autista), a do Santo e Ivanildo (2011) é a que mais me identifico: “ TEA é uma desordem que afeta a capacidade da pessoa de comunicar-se, de estabelecer relacionamentos e responder apropriadamente ao ambiente que a rodeia.” E como faz sentindo essa definição! Realmente, de todos os transtornos que o TEA apresenta a parte social e conseqüentemente, a parte comportamental é nosso maior desafio. É onde o preconceito, a intolerância, o desrespeito, o descaso e a injustiça são percebidos com mais impacto na vida da pessoa com TEA e para seus familiares, pois, a sociedade tende a rejeitar as pessoas que agem ou reagem de forma diferenciada de um padrão esperado e ditado por ela.
Há 12 anos, com o diagnóstico do meu filho, na época com quase três anos de idade, entrei para o mundo azul do TEA, sem preparo algum, sem conhecimento e ouso dizer que até mesmo sem estrutura psicológica. “Caí de para quedas” é uma frase do senso comum que realmente traduz essa fase inicial.
Foi um momento difícil de nossas vidas. Passado a fase do luto, vem a fase da luta: procura por profissionais, procura por tratamentos, ansiedade do novo e medo do futuro. Tantos sentimentos e preocupações me fizeram deixar de trabalhar para melhor atender as necessidades do meu filho. Hoje percebo que essa é a realidade de muitas famílias, pois, realmente deixamos nossas vidas em segundo plano para nos dedicarmos às necessidades tão específicas dos nossos filhos e filhas com TEA e fazemos esses sacrifícios porque sentimos na pele a falta de preparo da sociedade para lidar com eles e para entender essas necessidades. Muitas vezes nos anulamos para suprir as deficiências da sociedade, fato que precisa ser levado em consideração quando essa mesma sociedade nos aponta o dedo com
julgamentos que beiram a crueldade. Nossos filhos não têm esse ou aquele comportamento diferente porque queremos, porque somos permissivos, porque é moda, porque não damos educação. Nossos filhos possuem um distúrbio no neurodesenvolvimento e estamos incansavelmente em busca de estratégias para superar os desafios que o TEA apresenta. Não precisamos de julgamentos e sim de uma rede de apoio. Não precisamos de piedade e sim de respeito. Queremos o que todas as mães querem: que nossos filhos tenham oportunidades de se desenvolverem e serem pessoas ativas, participativas e úteis para a sociedade. Não é esperar muito ou aceitar pouco, é querer o justo.
Quando tive o diagnóstico do meu filho imaginava que somente eu estaria passando por essa situação complicada, que era um sentimento só meu, que era uma “dor” só minha, enfim, que era algo que somente eu poderia entender. Um grande equívoco da minha parte e digo equívoco porque nesse meu percurso de buscas, encontrei pessoas que passavam por situações e sentimentos semelhantes aos meus e com desafios igualmente semelhantes aos meus. Com essa compreensão, entendi também que sozinhos não avançaríamos e não conseguiríamos as mudanças que a inclusão necessita. Assim, eu e mais um grupo de pessoas com afinidade à causa, criamos um grupo de apoio à Inclusão que se transformou
em uma associação, Associação Grupo Apoio à Inclusão – AGAI. A partir do nascimento da AGAI, nasceu também uma nova Carol, além da mãe atípica que luta pelos direitos do seu filho, agora também passei a me preocupar e a lutar pelos direitos de outras crianças e mães. Através da AGAI, tomei a iniciativa de ser a voz de muitos que se calam por insegurança ou por se sentirem solitários. Através da AGAI percebi que muitos sacrifícios podem ser evitados ou amenizados se a sociedade se conscientizar para inclusão. Através da AGAI compreendi que a falta de ações passam pela falta de informação, esclarecimento e
até mesmo de conhecimento a cerca do TEA e da inclusão e é através da AGAI que pretendemos sanar essa deficiência social para enfim incluirmos nossos filhos e filhas e termos uma sociedade mais justa com equidade e dignidade.
Já atuando na coletividade e com mais conhecimentos construídos, me vi às voltas de mais um grande desafio, minha filha mais velha, na época com onze anos de idade, foi também diagnosticada com TEA. Novamente passamos pela fase inicial de diagnóstico e dessa vez, por ser um diagnóstico tardio e em uma fase bastante tumultuada que é a da pré-adolescência, somaram-se características como vergonha, insegurança, timidez e depressão. Com esse novo desafio entendi que a pessoa com TEA passa por desafios diferenciados em cada fase do seu desenvolvimento e que nenhum é igual ao outro, mesmo
sendo do mesmo nível de suporte ou da mesma família, portanto precisamos nos preparar, preparar a própria pessoa com TEA e preparar a comunidade em que estão inseridos para incluí-los nas diferentes faixas etárias e níveis de suporte. Amplia-se assim o campo de ação da AGAI, que passa a pensar em patamares sociais e não somente educacionais, como inicialmente.
Posso não ter tido preparo no início do diagnóstico de TEA do meu filho e filha, mas o TEA me preparou. E não me preparou apenas para ser uma mãe atípica, mas para ser uma mulher melhor. Uma mulher mais consciente do seu papel na sociedade e uma cidadã que não desanima ao ver seus direitos desrespeitados e vibra quando iniciativas sociais avançam para a inclusão.
Durante a minha caminhada pela inclusão aprendi que tudo bem ser diferente, o que não se pode é tratar com indiferença os diferentes. Tudo bem ter necessidades especiais, o que não se pode é alegar falta de recursos para não atendê-las. Tudo bem ser TEA, o que não se pode é ignorar suas características e negar suas singularidades. Aprendi também que a inclusão se concretiza com a união de muitas mãos e vozes e portanto é preciso sensibilizar e informar, pois, como diz Claudia Werneck, “Inclusão é simplesmente fazer tudo pensando nas pessoas que existem. E não considerando pessoas que você gostaria que
existissem.”
Por Carol Ribeiro Freire da Silva – Presidente da AGAI