‘Fazei isto em memória de mim’ (Lucas 22, 19), significa realizar obras de amor lembrando os gestos de Jesus. Isto se completa na participação da Celebração Eucarística – conseqüência da caminhada cristã. Porém, se o coração não tem compaixão do próximo, o respeito excessivo pelo sagrado aparenta hipocrisia. As coisas de Deus exigem bom senso acima de tudo, mas sem limites extremos de anormalidade.
E para se levar a sério o pedido de Jesus – ‘Fazei isto em memória de mim’ -, precisamos ter princípios cristãos bem definidos, como aqueles citados no livro da Editora Santuário: ‘Cinco pães e dois peixes’, 10ª edição, de François Xavier Nguyen Van Thuan. O autor destaca 24 elementos de conduta cristã. Eis o que mais nos aproxima de Deus:
Desejar renovar o mundo; promover a felicidade do próximo; dar a vida pelo irmão; buscar a unidade dos cristãos; crer na Eucaristia; vestir a camisa do amor; deixar-se levar pela oração; viver o Evangelho; seguir somente Jesus Cristo; cultivar um amor especial por Maria; entender a ciência da Cruz (sofrer em Cristo); ter o ideal de se aproximar de Deus; temer o mal (resultado do pecado); manter o desejo de ‘vir a nós o vosso Reino’; desapegar-se dos bens materiais; ter contatos pessoais (e saber ouvir); ser discípulo e missionário de Jesus; fazer a vontade de Deus; saborear o momento presente; caminhar nas bem-aventuranças; buscar a recompensa no Paraíso…
Tudo isto em memória de Cristo! E se alguém, por exemplo, tem dificuldades em perdoar, não deve estar em conformidade com os passos cristãos propostos por François Van Thuan. E ainda: ao invés de assumimos o risco de desorientar os amigos com alguns conselhos inúteis, por que não passar a divulgar esta relação ao próximo?
Aliás, quem tem o dom da comunicação precisa sempre pôr a ‘boca no trombone’. Leia abaixo alguns trechos de ‘Passeio Socrático’, escrito por Frei Betto:
“Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos e em paz nos seus mantos cor de açafrão. Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Aquilo me fez refletir: Qual dos dois modelos produz felicidade?
Encontrei Daniela pela manhã no elevador, 10 anos, e perguntei: ‘Não foi à aula?’ Ela respondeu: ‘Não, tenho aula à tarde’. Comemorei: ‘Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde’. ‘Não’, retrucou ela, ‘tenho tanta coisa de manhã! Aulas de inglês, de balé, de pintura’, e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: Que pena, a Daniela não disse: ‘Tenho aula de meditação!’
Estamos construindo super-homens e super-mulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados. Em 1960, uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Vamos todos morrer esbeltos: ‘Como estava o defunto?’. ‘Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!’
Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. E somos também eticamente virtuais. O grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, ausência de estresse.
Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo catedrais; hoje, no Brasil, constrói-se shopping center. É curioso: a maioria dos shoppings tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingo. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, nem sujeira.
Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas:
– Estou fazendo um passeio socrático. Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz.”