Naqueles antigos tempos em que se dançava no D.A, no Diretório Acadêmico da EFEI, eu tinha uma amiga conhecida que era apaixonadíssima por um estudante e lá ela ia todo sábado para ver se conquistava o rapaz. Ele nem aí pra ela. E ela, com o coração dolorido de amor, me disse um dia: Misa, este sábado vai ser a última vez que vou esperar por ele. Se ele não me tirar pra dançar, se ele não quiser nada comigo, o primeiro, anota aí, o primeiro fulano que aparecer querendo dançar comigo eu vou dançar com ele e se ele quiser namorar comigo, eu vou aceitar. Cansei.
Pois assim foi. Ela conheceu o fulano, dançou com ele, namorou com ele, casou com ele e foi muito feliz com ele. Talvez nos primeiros tempos ela ainda pensasse no grande amor que não foi. Talvez nos primeiros tempos ela ainda não havia se apaixonado pelo fulano. Não. Mas nos tempos seguintes ela se apaixonou e amou porque amor se constrói.
E hoje, eu abri ao acaso o livro de Mia Couto “O último voo do flamingo”, livro que guardo com muito carinho porque foi autografado pelo autor. Na verdade eu não estava presente, foi minha irmã que pediu que ele autografasse para mim. Enfim, abri o livro ao acaso e como também um livro nunca deve ser lido apenas uma vez, às vezes duas, três ou infinitas vezes porque sempre perceberemos algo mais que não havíamos percebido antes, dei com uma passagem que me matou de ternura. Os livros são mágicos. Abri em uma página em que o personagem Massimo resolve contar uma estória, que ele chama mais de lembrança do que uma história. Transcrevo aqui:
“Não é uma estória, é uma lembrança. Recordei-me do que faziam com um certo avô, quando envelheceu lá na Itália. À noite levavam o velho à prostituta. Chamavam a meretriz à parte e lhe pediam para ela lhe dar TERNURA. Simples carinho sem anexos nem sexo. Afinal, o prazo do velho já passara. A meretriz que simplesmente cantasse para o adormecer. Assim combinavam com ela, sem que o velho se apercebesse. Porém o que sucedeu, com os anos, é que a moça se converteu e se dedicou em exclusividade ao idoso avô. Nunca mais nenhum homem lhe foi conhecido. Até que um dia, a prostituta apareceu grávida. Ninguém levantava dúvida: a criança seria do avô.
– E você, Massimo, se lembra disto por que?
– Essa criança sou eu.”
Porque pagaram à prostituta para dar ternura ao velho e ela levou tão a sério que a ternura se transformou em amor e como o amor dá frutos, Massimo nasceu deste amor.
O amor é diferente da paixão, é lógico. A paixão é enlouquecida, não tem bom senso. Você quer porque quer tal pessoa que não quer você. Aconteceu comigo também. Acontece com muita gente desde que o mundo é mundo. Já o amor é sábio, é tranquilo, precisa ser alimentado dia a dia. Precisa da paciência quando um belo dia, você acha graça em algo que ele falou ou fez. Precisa da paciência para sentir sua falta quando ele viaja ou simplesmente não aparece. O amor pega a gente de surpresa porque um belo dia você se surpreende sentindo um carinho e uma ternura sem fim por ele.
Mas o amor precisa ser construído. Ah o amor é um sentimento muito fino. O amor é o sentimento mais fino do mundo.
Por Misa Ferreira
Autora dos livros: Demência: o resgate da ternura, Santas Mentiras, Dois anjos e uma menina, Estranho espelho e outros contos, Asas por um dia, Na casa de minha avó e Ópera da Galinhinha: Mariquinha quer cantar. Graduada em Letras e pós graduada em Literatura. Premiada várias vezes em seus contos e crônicas. Embaixadora da Esperança (Ambassadors of Hope) com sede em Calcutá na India. A única escritora/embaixadora do Brasil a integrar o Projeto Wallowbooks. Desde 2009 Misa é articulista do Conexão Itajubá, enviando crônicas e poemas. Também contribui para o jornal “O Centenário” de Pedralva.