Finados

Tenho este livro há muitos anos na minha estante, e cada vez que estou na biblioteca olho a lombada e posso ler outra vez o título que sempre me fascinou, desde que o comprei há muitos anos.

O autor é terapeuta e se utiliza do psicodrama, técnica idealizada por Moreno e muito eficaz para unir emoções e razão.

Nele ele aborda a dificuldade que têm os médicos em lidar com a morte dos seus doentes, e a dificuldade que tem a sociedade ocidental moderna em aceitar o enfrentamento do assunto.

Mas eu tomei emprestado o título, apenas para pensar além da dificuldadenesse Dia de Finados.

Fiquei pensando: por que temos todos tanta dificuldade em falar da morte? Por que “protegemos” as nossas crianças da visão da morte, usando eufemismos que muitas vezes confundem e assustam as crianças?

Por que pensamos que negar a existência da morte nos faz imunes a ela, como um adolescente que pensasse “comigo não”?

Pois imagino que justamente porque não enterramos convenientemente os nossos mortos na alma, e assim não podemos seguir em frente.

Os mortos que eu não velei direito por medo da morte, aqueles de quem obriguei os enlutados a se esquecerem depressa, todos os que viraram fantasma me assombrando o sono porque não chorei o que eles mereciam, todos eles estão insepultos no meu coração.

Todos eles vagam sem rumo na minha alma, exigindo o que lhes é devido e não lhes concedi.

Enquanto morriam os meus amores, não aguentei ficar com eles e segurar suas mãos geladas porque tenho muito desconforto em pensar que um dia também vou morrer.

Levei-os para um hospital frio e desumano porque depois teria medo de dormir na casa em que alguém morreu.

Não agradeci o suficiente por tê-los amado porque saía depressa do quarto, ocupada como sempre estou.

Talvez seja isso mesmo: tenho tanto medo da morte porque não descansam em paz os nossos mortos, os meus e os seus, dentro de mim…

Maria das Graças Mota Cruz de Assis Figueiredo
Profa. Adjunta de Tanatologia e Cuidados Paliativos
Faculdade de Medicina de Itajubá – MG