Eterna apaixonada por plantas e flores, minha mãe nos criou em casas rodeadas de imagens religiosas, muito verde e muitas flores. Sem dinheiro para vasos chiques, ela conservava seus antúrios, costelas de Adão, palmeirinhas e outras espécies em latas grandes, daquelas de óleo Ya-Yá e Violeta. As flores, então, eram seu mimo. Em sua última casa havia um corredor externo comprido com um bosque de plantas dos dois lados que dificultava nossa passagem. Meu pai ficava irritado, pois sempre saía picado por algum espinho de roseira. Minha mãe a- ma- va rosas. Ao fundo do quintal, ficava uma área com canteiros largos onde ela plantou uma espirradeira maravilhosa que oferecia prodigamente suas flores cor de rosa e um pé de hibisco igualmente maravilhoso. Ao lado do muro tinha uma arvore de romãs que deu muitos frutos e beleza por muito tempo.
Bem, não foi uma vez nem duas que minha mãe chegava à casa com um galhinho de alguma planta, de uma flor e já ia lá fora tratar de plantar. Quando estávamos de carro, ela dizia, “para aqui, para aqui”, e eu, assustada, parava, ela descia, colocava o braço para dentro de alguma grade e apanhava uma flor com 99,9% de chance de brotar. Ela plantava de tal modo, mexia a terra de um jeito todo seu e a flor gostava e pegava. Eu falava, “mãe, alguém vai ver e vai xingar, é melhor chamar alguém da casa e pedir, pelo amor de Deus, mãe!”. Mesma coisa que nada. Apanhava do jardim da praça, de todo lugar que queria, enfim, minha mãe era “a mulher que roubava flores”.
Certa vez eu estava no salão e o cabeleireiro, moço muito bonzinho e educado que conhecia minha mãe, disse: Misa, sua mãe está bem? Na verdade, ela já não estava bem, começava a apresentar alguns sinais de demência, mas ainda tinha toda a autonomia e nós não tínhamos nenhuma voz ativa com ela. O moço, que morava na rua do rio, contou que ele estava cortando um cabelo quando viu minha mãe chegar até à margem do rio, aí olhou, olhou, depois desceu como quem vai entrar no rio. Ele ficou muito preocupado, saiu do salão e foi até lá. Mas quando se aproximava da margem, eis que surge minha mãe subindo a encosta carregada de plantas até o pescoço. Ela ficou meio sem graça, sorriu pra ele e foi embora pra casa. Eu expliquei, brincando, que minha mãe era uma cleptomaníaca de flores, sempre havia sido, mas que no momento ela realmente já não estava bem. Onde já se viu? Descer para dentro do rio para apanhar plantas! Que perigo!
Faz oito anos que ela agora colhe flores no Céu. Aposto que ficou maravilhada com as flores de lá, dizem que ninguém acredita a beleza que é o Jardim Celestial.Minha amiga escritora, de intuições mágicas, de vez em quando tem sonhos vívidos e já sonhou com lugares encantados com flores multicores que nunca viu em sua vida. Já vejo minha mãe dizendo: que beleza! Que beleza! Tenho certeza de que não foi questionada no tribunal celeste sobre o furto das mudas e flores. Afinal, quem furta flores, planta um jardim. Assim ela fez.
Quem já não roubou uma rosa?