Aí, antes que o trem partisse, entrou um homem vendendo cocadas, “olha a cocadaaaaaa”, branquinha, quase quente ainda. Meu tio, moço novo, olhou para minha mãe com aquele ar de quem queria o doce. Ela comprou para ele e para ela também. Tem coisa mais gostosa? Mas eis que entra outro homem, alto, magro, com barba por fazer, com mãos sujas e pede uma esmola pelo amor de Deus. Minha mãe tira a bolsa, abre a carteira e entrega os últimos tostões que possuia, como negar? Nessa altura, meu tio saboreava sua cocada sem pensar nas carências. Era moço, distraído com a vida.
Mais para frente, já durante a viagem, ele diz para minha mãe: “você guardou dinheiro para pagar a carroça para levar as malas, né?” Minha mãe respondeu: “não, dei os últimos tostões que tinha para este homem que pediu”. Meu tio ficou bravo, não compreendia como é que minha mãe pôde entregar o resto do dinheiro que tinham. Moravam longe da estação ferroviária, eram três malas pesadas e ele é que não carregava porque tinha um pouco de vergonha, era moço, bonito e vaidoso. Minha mãe enfatizou: “ora gente, o que é que eu podia fazer? Você quis o doce, eu ia negar pra você? Eu também não contava com esse pobre homem que precisava também da esmola. Como é que eu ia negar se eu tinha?” Meu tio já estava enfurecido. Minha mãe só afirmou com fé: “Deus proverá”, ao que meu tio ironizou, “quero ver se Deus vai carregar as malas pra nós”. Passaram o resto da viagem no mais absoluto silêncio. Meu tio de cara feia e minha mãe pedindo a Deus que ajudasse, não para as malas, que isso ela dava um jeito, mas para a fé do Paulo que era pouca.
Quando chegaram, antes mesmo que saíssem do trem, já tinham avistado a namoradinha do meu tio que acenava na maior alegria, aparecendo de surpresa. Ele, arrasado, reclamou com minha mãe: “e agora? ela vai ver que não temos dinheiro nem para pagar uma carroça, viu o que você fez?” Minha mãe deu ombros e saíram do trem. Depois de abraçá-los, a mocinha disse: “meu tio me trouxe de carro, onde estão as malas?” Minha mãe sorriu ao ver aquele carro novinho, reluzente, último modelo da época. Acomodaram a bagagem no porta-malas. Antes de entrar no carro, minha mãe, disfarçadamente, acariciou a lataria, falando entre dentes, “Deus, o senhor caprichou demais, não precisava tanto! Quanta gentileza e delicadeza de Sua Majestade!” Já dentro do carro, ela disse baixinho para meu tio: “Deus proverá ou não proverá? Homem de pouca fé!” Ele fingiu que não ouviu e foi dar atenção para a namorada.
Quase cinquenta anos mais tarde, acompanhando minha mãe à missa, na hora da consagração, quando o povo diz: “Senhor, eu creio, mas aumentai a minha fé”, ouvi minha mãe dizendo em quase alto tom, “Senhor, eu creio, mas aumentai a fé do Paulo.”