SANTA MARIA, 27 Jan(Reuters) – Um incêndio numa boate em Santa Maria, interior do Rio Grande do Sul, deixou 233 mortos, a maioria por asfixia, e 117 feridos, na segunda maior tragédia deste tipo na história do Brasil.
O fogo, segundo autoridades, teria sido causado depois que um artefato de pirotecnia foi acionado durante o show de uma banda. Noventa e duas pessoas ainda estão hospitalizadas na cidade, enquanto algumas foram levadas para outros hospitais do Estado.
Quando o incêndio começou na madrugada de domingo, a casa noturna estava lotada, de acordo com o Corpo de Bombeiros, principalmente por universitários que acompanhavam o show da banda Gurizada Fandangueira. Das vítimas, segundo a prefeitura da cidade, 120 eram homens e 113 mulheres.
De acordo com informações dos Bombeiros e da Polícia Civil gaúcha, o incêndio na boate Kiss, uma das mais famosas da cidade de aproxidamente 260 mil habitantes e a cerca de 300 quilômetros da capital, teria começado por volta das 2h30 deste domingo, quando foi acionado um sinalizador por um dos integrantes da banda.
Uma das faíscas que saiu do artefato teria entrado em contato com teto, coberto por revestimento acústico, dando início à tragédia, segundo a delegada Luíza Sousa, da 2a Delegacia da Polícia de Santa Maria.
“O fogo espalhou-se em segundos”, disse a delegada à Reuters.
A maioria das vítimas morreu asfixiada com a fumaça tóxica resultante da queima do revestimento acústico, disse o comandante do Corpo de Bombeiros do Estado, coronel Guido Pedroso de Melo. Um dos integrantes da banda também morreu.
A dimensão do desastre, o segundo maior incêndio no país depois do fogo que deixou 503 mortos em um circo em Niterói (RJ), em 1961, fez a presidente Dilma Rousseff cancelar seus compromissos na reunião de cúpula entre a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e a União Europeia, no Chile, e antecipar sua volta ao Brasil.
“Nesse momento de tristeza nós estamos juntos e necessariamente iremos superar, e mantendo a tristeza”, disse, chorando a presidente em entrevista no Chile antes de embarcar para Santa Maria, onde visitou vítimas do incêndio e foi ao local onde estavam sendo identificados os corpos por familiares.
A presidente estava acompanhada de ministros, do governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, e do prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer.
Na avaliação do coronel Pedroso de Melo, dois fatores ajudaram a agravar o desastre: a superlotação da casa e a dificuldade das pessoas em deixarem o local. Segundo informações de sobreviventes, quando o incêndio começou, seguranças bloquearam a única saída do local para evitar que as pessoas saíssem sem pagar.
“A segurança trancou a saída das pessoas que estavam no local, não permitindo que saíssem rapidamente. Isso causou pânico e tumulto… Vi as pessoas amontoadas e mortas próximo da saída”, disse o comandante, que afirmou que havia 1.500 pessoas na boate no momento do incêndio e que a casa tinha permissão para receber até mil pessoas.
Os primeiros membros da corporação que chegaram para atender a ocorrência contaram que a fumaça no local fez alguns deles passarem mal no início dos resgates. Em meio à cena de caos e tragédia, o som dos celulares das vítimas tocando era incessante, segundo os bombeiros.
Homens com picaretas quebraram as paredes para ajudar na ventilação do local, dispersar a fumaça e facilitar o acesso ao local.
“O material do revestimento se consumiu sem chamas, mas provocando uma fumaça tóxica”, disse sargento Robson Muller, comandante do turno que atendeu a ocorrência às 3h20.
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que visitou vítimas da tragédia, alertou que mesmo aquelas que conseguiram escapar ilesas correm o risco de sofrer problemas posteriores por conta da inalação de fumaça tóxica.
FUGA DIFÍCIL
O coronel Pedroso de Melo afirmou ainda que a boate estava com alvará de funcionamento vencido, mas que tinha instalados os equipamentos de prevenção a incêndio e que a renovação do documento estava em andamento. Portanto, segundo ele, tinha situação regular.
“Tinha vencido o alvará deles, mas eles tinham toda a parte preventiva instalada no prédio”, explicou o coronel Guido Pedroso de Melo em entrevista à Reuters por telefone.
“O problema foi usar o instrumento pirotécnico, o que não era permitido.”
O local tinha, segundo os Bombeiros, uma única porta de acesso, que servia para entrada e saída. O coronel Pedroso de Melo, dos Bombeiros, no entanto, disse que o “dimensionamento” dessa porta era adequado, desde que fosse respeitado o limite da capacidade.
A Polícia Civil abrirá agora um inquérito para apurar as responsabilidades pelo incêndio e, em nota em que manifesta pesar pelas vítimas, a boate afirma que está à disposição das autoridades para “prestar os esclarecimentos que se façam necessários”.
No local da tragédia, depois que os corpos foram retirados, via-se pilhas de sapatos, poças d”água, chumaços de cabelo espalhados no chão, possivelmente arrancados durante a tentativa de fuga, e um cheiro quase irrespirável de queimado.
O que eram bancos de um bar, agora é uma pilha de ferro retorcido, o palco não existe mais e há ainda restos do que era o revestimento acústico pendurado em partes do teto.
CORPOS ENFILEIRADOS NO CHÃO
Momento após o incêndio, os primeiros atendimentos às vítimas foram feitos no estacionamento de um supermercado ao lado da boate, que fica no centro da cidade.
Parentes das vítimas fizeram a identificação em um centro esportivo da cidade onde os corpos foram reunidos. Segundo o governo gaúcho, 230 vítimas já foram identificadas.
No local de reconhecimento, durante todo o dia familiares ainda em choque aguardavam em filas. Apenas dois integrantes de cada família puderam percorrer o local onde os corpos foram alinhados no chão do ginásio, em um trabalho lento e doloroso para confirmar a identidade de cada um dos mortos.
“É o dia triste da minha vida. Eu nunca pensei que ia viver isso e ver minha menina indo embora”, disse à Reuters Neusa Soares, de 64 anos, lamentando a morte da filha Viviane Tolio Soares, 22, enquanto aguardava na fila para entrar no ginásio.
Todos os familiares eram amparados por assistentes sociais e recebiam luvas de borracha e máscaras cirúrgicas antes de entrarem no local.
Não havia mais capelas mortuárias disponíveis na cidade para realizar os velórios. Em função disso, a prefeitura realizava velórios coletivos no início da noite de domingo.
A prefeitura de Santa Maria decretou luto oficial de 30 dias por conta da tragédia.
Fonte: Reuters