
Elegeu a Constituição de 1988 uma extensa e importante programação para o bem-estar, notadamente quanto aos ideais de Justiça Social e dignidade humana, plano este conhecido como Seguridade Social. Um verdadeiro avanço em termos de modernidade constitucional, sendo essencialmente uma arquitetura maior e institucionalizada para atender toda sociedade em três áreas: Assistência, Previdência e Saúde.
Integrando este citado planejamento protetivo, encontra-se o ambiente previdenciário, estruturado em uma técnica basicamente contributiva e gerida pela Administração Pública nos diversos níveis.
Coube à Previdência Social a tutela de seus partícipes nas situações de risco de comprovadas necessidades e em certas contingências, apoiada na conhecida Teoria do Risco do artigo 201 e incisos da CF/88, além dos princípios do artigo 194 do mesmo diploma constitucional.
Logo, evidente que o sistema previdenciário nacional, seja ele público ou privado ganhou relevante status, com um ideal máximo a perseguir, quer seja, proteção de seus envolvidos por intermédio da entrega de prestações previdenciárias, essencialmente. Essa e outras atribuições encontram no INSS o principal órgão de atuação, a conhecida autarquia federal responsável pela gestão, manutenção e fiscalização da proteção previdenciária por meio de benefícios e serviços, nos exatos dizeres do artigo 18 da Lei 8.213/1991 e artigo 25 do Decreto 3.048/99.
De outro lado, há muito tempo está o INSS em posição de evidenciada fragilidade institucional, distante da concretização de seus ideais, deficitário, desestruturado e ineficiente à sociedade trabalhadora brasileira.
Ocupa a autarquia federal o posto de maior vilão perante o Judiciário Nacional; detém volumosa fila de processos em andamento e em larga escala; se vê envolvido diretamente no escândalo das associações de aposentados; bem como, recentemente ser alvo direto de uma comissão parlamentar de inquérito (CPMI).
Este o triste cenário vivido pelo INSS em uma de suas maiores crises internas, deixando seus filiados com fragilizada tutela previdenciária em meio a obscuridades, dúvidas, incertezas, insegurança e descrédito.
A possibilidade de descontos em benefícios possui, de fato, permissivo legal, existindo uma ampla rede bancária que assedia diuturnamente o público-alvo do sistema previdenciário, muitos desses, inclusive desprovidos de conhecimentos básicos, e vários outros em cenários de completa exclusão digital.
Evidente que os cenários de abusos a respeito teriam esse fértil ambiente para exploração, de forma desvelada e sob olhar institucional da autarquia, já que toda consignação, descontos e outras rubricas nos benefícios são existentes na sua interna plataforma e de sua total responsabilização gerencial.
Portanto, o caos se instaurou, com a possibilidade comprovada de prejuízos vultuosos de seus partícipes, alocando tanto os aposentados como pensionistas e outros beneficiários do sistema em um completo abismo protetivo, distantes e vulneráveis ao assédio e ataques de criminosos, tudo sob o olhar direto e indireto da autarquia. Um ultrajante cenário de retrocessos, com estimativa de mais de seis bilhões de reais desviados dos aposentados e pensionistas, sendo considerado por alguns possivelmente como o maior escândalo da história da autarquia federal.
Triste ambiente e até então sem qualquer plano nacional de soluções a curto e médio prazo, com atuação institucional omissiva que cria uma ruptura ao constitucional papel constitucionalmente conferido.
Atua a autarquia federal em divórcio com as diretrizes constitucionais idealizadas, em especial do bem-estar e da justiça social, premissas essas fundantes e que o INSS e seus gestores devem inteira obediência.
Nesta verdadeira farra de consignados, sobressaem unicamente os interesses econômicos de poucos, à custa da infelicidade de muitos e em divórcio do plano tracejado no horizonte de 1988.
Por Sérgio Henrique Salvador
Doutorando em Direitos Humanos (PUC/SP). Mestre em Direito Constitucional (FDSM). Pós-Graduado em Direito Previdenciário (EPD/SP). Pós-Graduado em Direito Processual Civil (PUC/SP). Professor Universitário. Escritor. Pesquisador. Advogado. Ex-integrante do Tribunal de Ética e Disciplina (TED) Regional da OAB/MG. Membro da Rede Internacional de Excelência Jurídica. Integrou a comitiva de professores brasileiros no “I Congresso Internacional de Seguridade Social” da Faculdade de Direito de HARVARD (EUA) em agosto/2019.