“No decorrer da minha vida, vivi em duas culturas distintas. Eu nasci numa cultura que vivia em casas comuns. A casa do meu avô tinha oito pés de comprimento. Chamava-se casa de fumo, e ficou junto à praia ao longo da enseada. Todos os filhos do meu avô e as suas famílias viviam nesta habitação. Os seus apartamentos para dormir foram separados por cobertores feitos de ervas daninhas de touro, mas um fogo aberto no meio serviu as necessidades de cozinha de todos.
[…[ Meu pai amava a terra e todas as suas criaturas. A terra foi a sua segunda mãe. A terra e tudo o que ela continha foi um presente de See-see-am… e a forma de agradecer a este grande espírito era usar os seus dons com respeito.
[…] Esta foi a cultura em que nasci e durante alguns anos a única que realmente conheci ou provei. É por isso que acho difícil aceitar muitas das coisas que vejo ao meu redor.
Vejo pessoas a viver em casas de fumo centenas de vezes maiores do que aquela que eu conhecia. Mas as pessoas num apartamento nem sequer conhecem as pessoas no outro e se preocupam menos com elas.
Também é difícil para mim entender o ódio profundo que existe entre as pessoas. É difícil entender uma cultura que justifica a matança de milhões em guerras passadas, e ela neste exato momento preparando bombas para matar números ainda maiores. É-me difícil entender uma cultura que gasta mais em guerras e armas para matar, do que em educação e bem-estar para ajudar e desenvolver.
[…] Vejo os meus irmãos brancos a andarem a apagar a natureza das suas cidades. Vejo-o a despir as colinas, deixando feridas feias na face das montanhas. Vejo-o a arrancar coisas do peito da mãe terra como se ela fosse um monstro, que se recusou a partilhar os seus tesouros com ele. Vejo-o jogar veneno nas águas, indiferente à vida que mata lá; e sufoca o ar com vapores mortais.
[…] Receio que a minha cultura tenha pouco para oferecer à sua. Mas a minha cultura premiou a amizade e o companheirismo.
[…] O índio via todas as coisas na natureza como pertencentes a ele e esperava partilhá-las com os outros e levar apenas o que precisava.
Mas em breve será tarde demais para conhecer a minha cultura, pois a integração está sobre nós e em breve não teremos valores senão os vossos. Muitos dos nossos jovens já esqueceram os velhos costumes. E muitos foram envergonhados dos seus costumes pelo desprezo e ridículo. A minha cultura é como um cervo ferido que rastejou para a floresta para sangrar e morrer sozinho.
A única coisa que pode realmente ajudar-nos é o amor genuíno. Tens de amar verdadeiramente, ser paciente conosco e partilhar conosco. E nós devemos amar-te com um amor genuíno que perdoa e esquece… um amor que dá os terríveis sofrimentos que a tua cultura trouxe a nossa quando nos varreu como uma onda a bater ao longo de uma praia… com um amor que esquece e levanta a cabeça e vê nos teus olhos um amor atendente de confiança e aceitação.
Isto é irmandade… qualquer coisa menos não é digna do nome.
Eu falei.”
Não sei de texto mais apropriado para a Páscoa!
Graça Mota Figueiredo
Professora Adjunta de Tanatologia e Cuidados Paliativos
Faculdade de Medicina de Itajubá – MG